Nas últimas duas semanas, o PSDB viveu a confortável situação de ser estilingue. No Congresso, os tucanos cantaram alto a necessidade de os presidentes do Banco Central e do Banco do Brasil darem satisfações sobre suas mal contadas movimen-tações financeiras. Mas a mesma fonte que municia a oposição também pode armar o contra-ataque governista. O bangue-bangue tem como pano de fundo um CD com arquivos que servem tanto a gregos quanto a troianos.

A origem do CD – Em 1999, o delegado da Polícia Federal em Foz de Iguaçu (PR) Davi Makarausky foi pego em calças curtas pelos seus próprios colegas ao jogar de cima de um edifício na avenida Paulista, em São Paulo, um computador que continha informações sobre as movimentações do doleiro Silvio Roberto Amnspach. A manobra do delegado, que foi condenado a oito anos de prisão e expulso da PF, não teve, no entanto, o resultado esperado. Depois de juntar as peças do computador, os peritos conseguiram recuperar os arquivos que continham uma classificação misteriosa: “MTB, Banestado II.” O mistério somente começou a ser desvendado em março deste ano, quando o chefe da Promotoria Distrital de Nova York, Robert Morgenthau, enviou à CPI do Banestado um CD com informações sigilosas do antigo MTB Bank de Nova York. Os arquivos do MTB, hoje absorvido pelo Hudson Bank, reúnem 750 mil operações de contas de passagem abertas por um grupo de 22 doleiros. São contas usadas para levar e trazer de paraísos fiscais dinheiro obtido por narcotráfico, corrupção e terrorismo. Ou seja, o MTB foi apelidado pelos doleiros de “Banestado II” porque substituiu o banco estadual do Paraná a partir de 1999, quando o organismo estatal foi fechado. A análise dos arquivos do MTB traz revelações ainda mais explosivas do que as contidas no antigo Banestado.

Em suas milhares de planilhas, a base de dados do MTB contém 1,5 milhão de operações financeiras clandestinas que comprometem milhares de empresários, criminosos de vários calibres e pessoas públicas do País. Tudo está armazenado em um CD e são informações capazes de provocar danos na imagem tanto de autoridades do governo Lula quanto de integrantes do governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Alertado por sua assessoria desse poder destruidor, o relator da CPI do Banestado, deputado José Mentor (PT), com a cumplicidade de governistas e oposicionistas, escondeu os registros do banco americano durante quatro meses. Mas, alguém quebrou o sigilo. É com base nos dados contidos nesse CD que a oposição tem tirado o sono do governo atual ao disparar petardos contra os presidentes do Banco Central e do Banco do Brasil, acusados de movimentar dinheiro por contas da mesma rede de doleiros que trabalhou para criminosos como João Arcanjo Ribeiro e Fernandinho Beira-Mar. Entre os doleiros que migraram para o MTB estão o próprio Amnspach, Alberto Youssef, hoje preso por sonegação fiscal, e Dario Messer, que operou as remessas da turma do ex-fiscal fazendário do Rio de Janeiro, Rodrigo Silveirinha.

Mão dupla – Para a oposição, o CD é um prato cheio. Mas o mesmo CD também contém munições para que os governistas disparem contra tucanos. Nos arquivos do MTB há chumbo grosso contra personagens protagonistas dos principais escândalos que abalaram o governo de FHC. Os documentos atingem em cheio o ex-diretor do Banco do Brasil Ricardo Sérgio e Sérgio Luiz Augusto Bragança, sócio do ex-presidente do Banco Central Francisco Lopes, na Consultoria Macrométrica. Acusado de receber propina na condução da privatização das teles, Ricardo Sérgio, ex-tesoureiro de campanha do PSDB, deixou o governo em 1998 ao ser flagrado em um grampo do BNDES dizendo ao então ministro das Comunicações, Luís Carlos Mendonça de Barros, que agia “no limite da irresponsabilidade”. Já Francisco Lopes foi acusado de manter, em 1996, US$ 1,6 milhão em contas no Exterior em nome de Sérgio Bragança.

As denúncias não são novas. ISTOÉ divulgou no ano passado a existência de indícios de que Ricardo Sérgio movimentava dinheiro por meio do doleiro Alberto Youssef. Os dados agora descobertos vão além dos indícios. No mundo da lavagem há uma técnica básica usada pelos doleiros para fugir da fiscalização: o dinheiro sujo tem de rodar em várias contas antes de chegar a seu destino final, em geral em paraísos fiscais. Dentro dessa lógica, a agência do Banestado em Nova York abrigava o que os peritos da PF chamam de “contas de segunda camada”. Após receber o dinheiro dos laranjas de Foz de Iguaçu, as contas do Banestado se encarregavam de transportar o dinheiro para as contas de outros doleiros, que, em seguida, remetiam a dinheirama para paraísos fiscais. Essas escalas frequentemente impediam as autoridades de localizar as contas finais de políticos e criminosos nos paraísos fiscais. Tal problema não acontece com as informações do CD. Por estar duas camadas depois do Banestado, na maioria das vezes as contas abertas por doleiros no MTB alimentavam diretamente as contas finais. É exatamente isso que torna esse CD tão precioso.

No caso do tucano Ricardo Sérgio, as operações trazem detalhes de duas empresas ligadas ao ex-diretor do BB, investigadas pelo Ministério Público: a Consultatum e a Franton Interprise Inc., uma off-shore que movimenta contas milionárias nos EUA. A Consultatum chamou a atenção do Ministério Público ao comprar em 1999, por R$ 11 milhões, dois prédios da Petrus – o Fundo de Pensão dos funcionários da Petrobras. Embora a Consultatum esteja registrada em nome de Ronaldo de Souza, sócio do ex-diretor do BB, uma procuração anexada numa ação de improbidade administrativa contra Ricardo Sérgio mostra que era o ex-diretor do BB quem mandava na empresa. O documento assinado por Ronaldo de Souza dava a Ricardo Sérgio amplos poderes para vender os bens da Consultatum, ainda para movimentar suas contas bancárias. No entendimento do Ministério Público, o documento prova que Ronaldo, antigo funcionário de Ricardo Sérgio em uma de suas empresas, não passa de um testa-de-ferro. Os registros do MTB mostram a associação inequívoca entre a Franton Inc. e o testa-de-ferro Ronaldo. Várias remessas chegam a registrar o nome da empresa, sediada nas Ilhas Virgens, e de Ronaldo juntos como beneficiários. Em algumas operações, o nome de Ricardo Sérgio também aparece acompanhando a Consultatum. Além disso, a Franton é uma das empresas com as quais Ricardo Sérgio tem negócios. Em 1998, o ex-diretor do BB chegou a declarar ao Fisco ter feito uma doação de R$ 13l mil para a off-shore. Questionado pela Receita a respeito da transação, Ricardo Sérgio disse que o dinheiro se referia ao pagamento de um empréstimo com juros bancários. Nessa época, Ronaldo de Souza já usava o MTB para movimentar dinheiro por intermédio das duas empresas.

Agora, os dados do CD mostram que Ronaldo de Souza, Consultatum e  Franton movimentaram por intermédio dos doleiros do MTB US$ 1,35 milhão de dólares em bancos americanos entre 1997 e 2002. As investigações das autoridades americanas revelaram que as duas empresas estão envolvidas nas chamadas operações privadas de câmbio. Ou seja, operações clandestinas de câmbio, feitas sem a autorização do Banco Central dos EUA. Essas transações tentam driblar o rastreamento das autoridades financeiras. O esquema funciona da seguinte maneira: tanto os doleiros como os correntistas possuem contas em bancos americanos. Se o investidor precisa que o doleiro envie o dinheiro para determinado paraíso fiscal, deposita nas contas dos doleiros do MTB, que se encarregam de completar a operação. Se necessitar internar dinheiro, o correntista faz a mesma transferência para a conta do doleiro nos EUA, que lhe entrega o dinheiro em espécie no Brasil.

Detalhes comprometedores – No caso da Consultatum, da Franton e de Ronaldo de Souza, as operações aparecem em detalhes na base do MTB. No centro das movimentações das duas empresas está a Kundo, uma off-shore aberta pelo doleiro paranaense Alberto Youssef e que movimentava a conta número 00030101301 no MTB. No dia 28 de novembro de 2000, por exemplo, Ronaldo de Souza enviou por intermédio da conta da Franton Intl Bank de Miami US$ 100 mil dólares para a conta da Kundo. Na operação, a própria Franton aparece como beneficiária da transação. No dia 21 de outubro de 1997, a Consultatum manda, por intermédio da Kundo,
US$ 800 mil para Ronaldo de Souza na mesma conta da Franton no banco de Miami. As provas contra o ex-diretor do BB são irrefutáveis: o nome de seu testa-de-ferro sempre aparece nas duas pontas da transação ao lado do nome da Franton ou da Consultatum, cujo endereço em São Paulo também é detalhado. A Consultatum tem o mesmo endereço da Planefin, uma das empresas de Ricardo Sérgio.

O mesmo esquema do MTB foi utilizado por Sérgio Luiz Augusto Bragança, sócio de Francisco Lopes, acusado de vender informações para o mercado financeiro. Segundo os dados armazenados no CD, o sócio de Chico Lopes enviou por intermédio da conta de doleiros cerca de U$ 350 mil para uma conta no banco de Nassau, nas Bahamas. Toda dinheirama passava pela conta da General Star, uma off-shore que recebia repasse de vários doleiros do Banestado. No dia 1º de janeiro de 2001, por exemplo, a General Star enviou US$ 40 mil para a conta de Sergio Bragança. O Ministério Público do Rio de Janeiro tem agora uma valiosa pista para perseguir o dinheiro de Bragança e tentar desvendar se há relação entre essas movimentações e o US$ 1,6 milhão de Chico Lopes.

Mais chumbo – De fato, tanto para o governo como para a oposição há farta
munição. Disposto a provar que preside à CPI do Banestado com isenção, ao
ser informado das novas denúncias por ISTOÉ, o senador Antero Paes de Barros (PSDB-MT) disse que na próxima segunda-feira apresentará um requerimento em que convocará para depor Ricardo Sérgio, tesoureiro na campanha de Fernando Henrique para a presidência em 1994 e de José Serra para o Senado em 1996. Serra, aliás, também quer tirar proveito da história. Articulou com os tucanos a convocação de Paulo Maluf, seu adversário na atual disputa pela Prefeitura de São Paulo, também implicado no CD. Há mesmo muita nitroglicerina na base do MTB, que ainda não veio a público. Resta saber se governistas e oposicionistas sairão vivos dessa troca de chumbo ou se haverá algum acordo de cavalheiros.