Em menos de um mês, o
presidente americano George
W. Bush teve de encarar os
efeitos de dois furacões. Ambos deixaram milhões de desabrigados, doentes, famintos e desesperançados. O que fez menos vítimas foi o Katrina, que, além de ventos fortes, deixou às suas costas inundações e devastação nos Estados de Louisiana, Alabama, Mississippi e Flórida. O segundo, na verdade, aterrara há cerca de um mês – em Nova York, na sede da Organização das Nações Unidas –, mas seu poder destrutivo só se faria sentir por completo na semana passada, durante o 60º aniversário daquela instituição. Este, na forma corpórea do representante dos Estados Unidos na ONU, chama-se John Bolton. Seu saldo de vítimas está na casa do um bilhão de seres humanos em todo o mundo, que tentam sobreviver com mero US$ 1 por dia. No momento em que líderes mundiais de 170 países se reuniam, entre os dias 14 e 16, na 60ª Assembléia Geral da ONU, não havia muito mais para se fazer: o destino de grande parte da humanidade estava selado. E os documentos que deixaram assinados para as futuras gerações eram compromissos inócuos, ou no mínimo insuficientes, para reformular a própria ONU e, com isso, dar condições para que ela enfrente os trágicos desafios do terceiro milênio. Uma bofetada como presente de aniversário.

Bolton, diga-se, não agiu sozinho. Teve ajuda imediata de tornados de pequeno
e grande porte na escala destrutiva. Quando o representante americano assumiu seu posto, trazia na bagagem uma lista de 700 modificações que desejava impor nos múltiplos acordos e premissas das chamadas Metas do Milênio, arregimentadas primeiramente pelo secretário-geral, Kofi Annan, em 2000. As propostas variavam desde a reformulação do importantíssimo Conselho de Segurança – pela qual o Brasil vem lutando –, passando pela transformação em Conselho (órgão com mais poderes) da Comissão de Direitos Humanos, de incompetência criminosa, até a redistribuição mais eqüitativa dos desembolsos feitos por cada nação. Durante cinco longos anos, todos os países membros se engalfinharam para tentar chegar a acordos.

Progressos enormes foram feitos, como, por exemplo, o chamado Consenso de Monterrey, saído de uma cúpula no México, que propunha que cada nação desse 0,7% de seu Produto Interno Bruto para o orçamento do Programa Oficial de Assistência ao Desenvolvimento, que ajuda os países mais pobres. Antes mesmo de pisar nos corredores da ONU, o embaixador John Bolton já vinha insistindo que os Estados Unidos não haviam se comprometido com o tratado.

Sem reformas – Reverteu também uma expectativa de apoio à abertura do Conselho de Segurança a mais países, que fora sinalizada por Washington. Os americanos passaram a se opor aos termos das mudanças, cerrando fileiras com os chineses, que ameaçam de veto qualquer decisão de incluir o Japão como membro permanente do CS. O chamado G4 – Alemanha, Brasil, Japão e Índia – quer cadeiras cativas no Conselho, mas a ambição sofreu duro golpe na semana passada. E neste item há um exemplo das ações dos tornados que seguiram o furacão Bolton. Com tantas modificações do americano às propostas que já estavam encaminhadas, outros embaixadores também sacaram suas listas, oportunisticamente. A Itália, considerada a nação mais sovina no auxílio aos países pobres, também sugeriu mudanças no Consenso de Monterrey, além de reforçar sua oposição à entrada da Alemanha no Conselho de Segurança. O presidente Lula, antes de chegar, já havia anunciado que a América Latina estava desunida nesta cúpula. A Argentina, por exemplo, se opõe a que o Brasil tenha assento permanente no CS. O Paquistão não quer a Índia e tem o apoio de alguns países árabes. E, assim, o que era para ser o acerto final de uma mudança e a celebração da criação da ONU acabou virando uma espécie de convescote de cabeças coroadas.