De mangas arregaçadas, os jornalistas e compositores Antonio Maria e Fernando Lobo queimavam as pestanas procurando criar a toque de caixa um jingle para um regulador feminino, medicamento muito comum na virada dos anos 1960. Irreverente, Aracy de Almeida sugere: “O ovário vem caindo…”, numa alusão à célebre canção O orvalho vem caindo, um dos clássicos de Noel Rosa, de quem foi uma das maiores intérpretes. Claro que a sugestão foi recusada, mas a piada entrou para o já volumoso folclore sobre a cantora. Em Araca – arquiduquesa do Encantado – um perfil de Aracy de Almeida (Edições Folha Seca, 88 págs., R$ 20), o poeta, compositor, produtor e ativista cultural Hermínio Bello de Carvalho recorda com todo carinho esta e outras passagens da vida da cantora que completaria 90 anos no próximo dia 19 – Aracy morreu em 1988. Também revela o lado íntimo da mulher, já que os porres, as malcriações e a androginia se tornaram públicos e notórios.

Nascida no Encantado, subúrbio da zona norte do Rio de Janeiro, onde sempre morou, entrou para a carreira artística na década de 1930. Sua presença
forte e a maneira de interpretar fizeram com que ela ganhasse a alcunha de
“O samba em pessoa”, dada pelo radialista César de Alencar. A partir dos anos
1950 foi a principal responsável pela canonização do amigo Noel Rosa – apenas quatro anos mais velho que ela, mas falecido precocemente em 1937. Duas décadas depois, já sem gravar, desceu do trono de grande intérprete para ser jurada de programas de calouros.

Segundo o autor, a amiga de Vinicius de Moraes, Eliseth Cardoso, Mário de
Andrade, Maysa, Di Cavalcanti, Ary Barroso e outras figuras célebres foi vítima de preconceito. Araca – como os íntimos a chamavam – era judia, protestante, comunista e usava cueca sim. Ao contrário do que dizem, nunca teve nada com Noel. Em compensação, caiu de amores por Rei, jogador do Vasco. Odiava crianças, mas abria as portas de sua casa no Natal. “Matusquela”, arrastando seus “bagulhos e parangolés”, Aracy era dada “aos desfrutes”. Sempre que era elogiada respondia: “Isso são lantejoulas de sua parte.”