O medo não paralisa, faz avançar. Este pensamento poderia ter saído da boca da militante comunista alemã Olga Benário Prestes (1908-1942). No entanto, pertence à atriz fluminense Camila Morgado, 29 anos e sete de carreira, que dá vida à mulher do líder político Luís Carlos Prestes no filme Olga (Brasil, 2004), de Jayme Monjardim, aguardada adaptação do best seller homônimo de Fernando Morais, com estréia marcada para a sexta-feira 20 em 250 cinemas do País. Ciente do infortúnio vivido pela jovem judia – que foi entregue ao regime nazista pelo governo Getúlio Vargas, vindo a morrer, separada da filha Anita, numa câmara de gás –, Camila teve medo, sim, quando foi convidada para o papel. “Senti um frio na barriga. Mas não tive dúvidas”, lembra a atriz, que passou por treinamento militar, estudou alemão e russo, usou saltos imensos para acrescentar alguns centímetros ao seu 1,69m e ainda teve de emagrecer sete quilos e ficar careca para reproduzir o martírio da personagem.

Realizado ao custo de R$ 8,5 milhões, Olga pode ser elogiado pela cuidadosa reconstituição de época e pela alternância de passagens bem realizadas. Mas deve ser criticado por outras sequências desastrosas, como o primeiro beijo do casal na viagem de navio para a América do Sul. Ou então pelo uso fácil de uma trilha grandiloquente, que sublinha o sentimento das cenas, impedindo que surja a emoção genuína. Mas o essencial, que faz a força do filme, não se discute: Camila Morgado é Olga Benário. Conhecida do grande público pelo papel de Manuela da minissérie global A casa das sete mulheres, que teve direção de Monjardim, a atriz faz sua estréia no cinema de forma arrebatadora. “Ela é a versão jovem da Fernanda Montenegro”, diz o diretor.

Monjardim reivindica para si o mérito de ter descoberto a loira de voz grave e intensos olhos azuis num teste para a novela O clone, há três anos. Mas ela já vinha de uma fértil experiência teatral. Formada pela Casa de Artes de Laranjeiras, no Rio de Janeiro, Camila se lançou mesmo foi pelas mãos do diretor de teatro Gerald Thomas, em 1997, na peça Graal, retrato de um Fausto quando jovem, de Haroldo de Campos, feita com alunos da escola. Tinha 22 anos. “A Casa de Artes estava comemorando 15 anos e resolveu fazer uma formatura grandiosa. Aí chamaram o Gerald para nos dirigir. Acabei fazendo um papel maravilhoso, contracenando com a Bete Coelho, que eu adorava”, conta Camila. Depois do trabalho com Thomas, a atriz decidiu se mudar para São Paulo, onde passou dois anos estudando com Antunes Filho no Centro de Pesquisas Teatrais.

Mais alguns trabalhos na companhia de Gerald Thomas, em espetáculos como Nowhere man e Ventriloquist, tornaram Camila uma profissional pronta para qualquer desafio. “Ela tem um leque muito variado de expressões. É uma comediante extraordinária. Quando descobrirem isto e pararem de torcer o pano para sair lágrimas é que vai nascer algo fenomenal”, afirma Thomas. Em 2003 Camila bateu nas portas da tevê. “Foi uma passagem que se deu no momento certo, até mesmo com relação à minha idade.” Ela conta que, no primeiro dia de gravação de A casa das sete mulheres, ficou de costas para  a câmera sem saber para onde olhar. Repetiu a cena mais de dez vezes. Já escolada, sabendo da predileção de Monjardim por closes, criou em Olga uma gama de olhares e expressões faciais que pontuam a chamada curva dramática da personagem – da juventude impetuosa ao sofrimento decorrente da perseguição nazista.

Meticulosa, na preparação para o papel Camila transformou o quarto de seu apartamento numa “prisão” repleta de fotos, recortes e todo o tipo de referência. Primeiro, selecionou algumas músicas para entrar no clima. Depois, assistiu a toda espécie de filmes que pudessem ajudá-la a entender o contexto no qual Olga se movia. O mais inusitado, contudo, foi o treinamento militar de dois meses e meio a que se submeteu para saber se portar como uma militante. “Na primeira semana cheguei a dormir no quartel. Acordava às cinco da manhã fardada. Minha camisa tinha meu nome e até um número de identificação.” Com o batismo cinematográfico, Camila está ansiosa para repetir a dose em Os desafinados, de Walter Lima Jr, seu próximo trabalho. Agora, a televisão que espere.

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