joao90_2.jpg

 

 

 

 

A primeira pessoa a ler a biografia de João Havelange foi… João Havelange. Jogo Duro, escrito pelo professor e jornalista Ernesto Rodrigues, chega essa semana às livrarias de todo o País depois de um ano de atraso. Havelange não gostou. Presidente de honra da Fifa, entidade que dirigiu com habilidades de um quase-estadista por 24 anos, ele tem fama de implacável, mas entende de diplomacia. Não gostou e pediu modificações. Isso não significa, no entanto, que Jogo duro (Record, 420 págs., R$ 56) seja uma biografia chapa-branca: ela não omite os episódios polêmicos de sua vida nem a opinião de seus inimigos – que não são poucos. Muitos trechos, contudo, passaram pelo seu filtro. Quais foram? “Não posso dizer”, diz o autor Ernesto Rodrigues. “Seria faltar com a ética.”

 

 

 

joao90_1.jpg

 

 

 

Ernesto Rodrigues teve seis encontros com Havelange, gravando 24 horas e meia de entrevistas. Numa das descrições do perfilado, ele salienta “o porte físico, olhar firme e gelado, o semblante inoxidável, a voz grave e solene, e, acima de tudo, a ausência total, em sua face, de qualquer sinal aparente de temor ou preocupação”. Já nos primeiros capítulos, Rodrigues escolhe episódios da juventude reveladores desse temperamento. Aos 24 anos (ele tem 91), ao pedir demissão da siderúrgica Belgo- Mineira, seu chefe, o amigo da família Jules Verelst, tenta segurá-lo à base de uma promoção, chamando-o de teimoso. Como o pai. “Teimosia é sinal de burrice”, responde Havelange. “O que meu pai era é o que eu sou: deteminado.”

Outra característica: o pragmatismo. Rodrigues descreve como Havelange, viajando sem um tostão no bolso pela Alemanha depois da Olimpíada de 1936 (ele concorrera como nadador), decide enfrentar um brutamontes numa luta de boxe. Se ganhasse faturaria mil marcos, se perdesse, levaria a metade. Perdeu, claro, mas com o prêmio garantiu “jantares divinos” em sua estada. Determinação e pragmatismo somados costumam dar como resultado personalidades talhadas para o poder. Não foi diferente com Havelange, três vezes campeão do mundo como dirigente da CBD, depois CBF, e o primeiro não-europeu a dirigir a Fifa.

 

 

joao90_3.jpg

 

 

 

É do poder que trata o resto do livro, numa espiral de manobras e decisões que justifica – pelo menos até a sua despedida da Fifa, em 1998 – o título de brasileiro de maior projeção política fora do País. Entre as passagens estão a ordem do presidente Costa e Silva para que Havelange colaborasse na criação da loteria esportiva e a reconstituição da saída do técnico da seleção João Saldanha, em 1970. Notório comunista, ele acusou Havelange de ter se curvado à exigência do general Emílio Médici da convocação do centroavante Dario.

 

 

/wp-content/uploads/istoeimagens/imagens/mi_98774257845080.jpg

 

 

 

 

A tese da militarização da seleção, cuja delegação ficou a cargo do brigadeiro Jerônimo Bastos, é outro capítulo da obra. Destaque também é dado à entrada da China Comunista na Federação e a dobradinha da entidade com Horst Dassler, dono da Adidas, fundamental para o crescimento de seus tentáculos. “Fiz esse livro de costas para o campo e de frente para a tribuna de honra”, diz o autor.

INOXIDÁVEL Havelange sempre foi criticado por sua proximidade com o regime militar. O presidente Costa e Silva (ao lado,à esq.,) exigiu sua participação na loteria esportiva. À dir., Havelange na juventude