Escondido até o mês passado na gaveta do relator da CPI do Banestado, deputado José Mentor (PT-SP), o CD do MTB Bank comprova que transações de mais de 100 mil brasileiros no Exterior passaram por contas suspeitas, em nome de offshores em paraísos fiscais controladas por doleiros. Pelas contas da CPI do Banestado, US$ 1,5 bilhão pertencente a criminosos, políticos, contrabandistas e empresários transitou por contas abertas no banco nova-iorquino entre 1997 e 2003. O duto, que lavou pelos menos US$ 500 mil do criminoso João Arcanjo Ribeiro e US$ 10 milhões de contrabandistas de diamantes da reserva dos índios cinta-larga, em Rondônia, foi o mesmo canal escolhido pela cúpula do BC e de altos escalões dos governos Lula e FHC para movimentar recursos nos EUA e em paraísos fiscais. Ex-prefeitos de São Paulo, Paulo Maluf (PP) e Celso Pitta, também usaram o esquema.

Entre as autoridades do governo Lula que escolheram esse atalho está o atual presidente do Serpro, Henrique Costabile, que em abril foi denunciado pela Procuradoria da República no DF como um dos responsáveis pelo contrato entre a Caixa Econômica Federal e a multinacional Gtech. Ex-diretor industrial da CEF entre junho de 1999 e agosto de 2002, durante o governo FHC, Costabile, que está com os bens indisponíveis pela Justiça, é apontado como beneficiário de uma movimentação de US$ 100 mil na conta nº 99243394 do Citibank de Nova York. O dinheiro atribuído a Costabile transitou por uma conta offshore no MTB, aberta por doleiros uruguaios. Uma das três transações foi realizada no dia 18 de janeiro de 2002, quando ele ocupava a diretoria da Caixa. A remessa de US$ 60.825 saiu da offshore uruguaia Newland e pousou na conta em nome de Costabile no Citibank, onde chegou a ser alto executivo. Há registro de outras duas operações, em 20 de novembro de 1997 e 28 de maio de 1998, no valor de US$ 30 mil. Costabile remeteu dinheiro para a conta dos doleiros uruguaios no MTB. Procurado por ISTOÉ no Serpro, ele não respondeu às indagações da revista. Minutos depois, ISTOÉ recebeu o telefonema de um senador que, informando ser “amigo de Costabile”, relatou que o presidente do Serpro estava “preocupado” com o caso, que “não se recordava de operações” e cogitava a hipótese de se tratarem de transações feitas por seu pai – que também se chama Henrique Costabile.

Falidos e ricos – Os registros do MTB vêm sendo encarados como uma preciosa ferramenta para investigar lavagem de dinheiro em curso no País. A devassa no banco nova-iorquino descobriu que essas operações, chamadas de “operações de câmbio privadas”, foram realizadas sem o consentimento das autoridades norte-americanas. Entre os empresários que se valeram desse tipo de transação há um nome com estreitas ligações com o atual governo. Trata-se do ex-presidente da Transbrasil Antônio Celso Cipriani. Ele, seus parentes, empresas ligadas formalmente ao grupo Transbrasil e outras sediadas em paraísos fiscais suspeitas de serem controladas pelo ex-mandachuva da Transbrasil movimentaram US$ 55,7 milhões entre 1998 e 2003 por intermédio do MTB. A maior parte transitou por offshores controladas por doleiros – entre eles Alberto Youssef, que está preso e responde a processo por crime de lavagem de dinheiro. Para integrantes da CPI, os dados podem explicar como os ex-sócios da Transbrasil conseguiram sair ricos da
falência da empresa, que hoje acumula R$ 1 bilhão em dívidas. Segundo  denúncias que chegaram ao MP, a sangria da Transbrasil se dava por intermédio da Transbrasil Inc., uma das empresas do grupo com sede em Miami. Em nome
do braço americano da Transbrasil figuram dezenas de operações que movimentaram US$ 1,3 milhão.

Os registros de operações do Banestado já mostravam o vai-e-vem de US$ 25 milhões em contas de Cipriani, seus parentes e suas empresas entre 1997 e 1998. A diferença é que os registros do MTB são mais detalhados. No caso das remessas em nome de Cipriani destinadas às contas na Itália há o registro do endereço em São Paulo do ex-dono da Transbrasil. O nome de Cipriani esteve no centro da brigalhada entre governo e oposição no coração da CPI do Banestado. A semana começou com a ameaça de convocação para ouvir os depoimentos dos presidentes do Banco Central e do Banco do Brasil na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. O PT encarou como afronta e, na terça-feira, o deputado Eduardo Valverde (PT-RO), convocou para depor os tucanos Fernando Henrique Cardoso, José Serra e Ricardo Sérgio de Oliveira, ex-diretor do Banco do Brasil. A provocação durou um dia: na quarta-feira, o deputado retirou o pedido. Mas ficou o incêndio. O PFL e o PSDB engatilharam pedidos para chamar Cipriani a depor, enquanto crescia a guerra entre o presidente e o relator da CPI, o senador tucano Antero Paes de Barros (MT) e o deputado petista José Mentor (SP).

Rebatendo a acusação de que a oposição era irresponsável na quebra de 1.400 sigilos envolvendo 29 banqueiros e altos executivos do sistema financeiro, Paes de Barros distribuiu uma lista de requerimentos do relator do PT que convoca seis ex-diretores do BC da era FHC. Mentor, entre outras, teve a idéia de mandar cartas para 420 mil correntistas da base CC-5 e pediu, no requerimento 533, que a Receita Federal enviasse os dados de todas as empresas estrangeiras com capital em firmas brasileiras. “É o PT que quer afugentar o capital externo, não a oposição”, cutuca o líder do PSDB no Senado, Artur Virgílio. A sugestão de devolver sigilos quebrados ou de queimar documentos não vai prosperar: “Não tenho vocação para Nero”, diz Antero. Espremida no fogo entre PT e oposição, a CPI do Banestado deve se consumir até dezembro.