Robert Morgenthau, o promotor distrital de Manhattan, está acostumado a caçar predadores submersos. Durante a Segunda Guerra Mundial, na Marinha, ele passou longa temporada cruzando os mares em busca de submarinos alemães que atacavam os comboios de suprimentos aliados. No Mediterrâneo, afundou com o destróier USS Lansdale, torpedeado pelo inimigo, e ficou durante quatro horas dentro d’água: “Um banho que eu não havia programado”, diz. Mas nas patrulhas no Atlântico Sul, foi ele quem forçou banhos à suas presas. De janeiro de 1942 a junho de 1943, o comandante Morgenthau, a bordo do USS Winslow, protegeu, entre outros territórios, a costa do Brasil. Baseado no porto do Recife, mergulhou na cultura local e aprendeu a falar e ler em português. “Hoje, já não falo nada neste idioma. Mas ainda consigo ler perfeitamente.” Foi essa familiaridade com o Brasil que o fez embarcar em nova caçada. Desta vez no mar de lama do caso das CC-5 do Banestado, com suas remessas ilegais e lavagem de dinheiro por parte do narcotráfico, empresários, artistas e políticos brasileiros. Nos últimos dois anos, as investigações da promotoria distrital já resultaram em mais de 500 caixas de documentos (cerca de 370 delas entregues à CPI do Congresso) e produziram um CD contendo 700 mil operações financeiras feitas no MTB Bank – instituição americana, onde operava, entre outras, a firma Biscay Trading, usada pelo presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. E as mãos firmes do velho timoneiro – Morgenthau fez 85 anos em 31 de julho – vão continuar nesta patrulha contra os bucaneiros das finanças globalizadas.

Que ninguém espere trégua. Apesar da idade, o homem esbanja saúde: os níveis
de LDL de seu colesterol estão em 72 – abaixo do limite recomendável de 100.
A cada seis anos ele faz uma colonoscopia. Seus exames de próstata têm
resultados tranquilizadores. “Meu médico diz que sou mais jovem do que minha idade cronológica.” O único problema físico é a surdez: uma infecção tirou-lhe a audição no ouvido direito na infância, e o estrondo dos canhões durante a Segunda Guerra debilitaram o ouvido esquerdo, hoje auxiliado por um aparelho contra surdez. “Ser surdo não são só inconveniências. Às vezes ajuda”, conforma-se. Robert Morgenthau é, além de forte, um sobrevivente por excelência. Naquele naufrágio no Mediterrâneo, o navio que estava ao lado do dele – o USS Paul Hamilton – explodiu, matando a tripulação de 580 homens. Na invasão de Iwojima (fevereiro de 1945), o comandante estava a bordo do USS Harry F. Bauer, quando um avião camicaze se espatifou no tombadilho. A bomba que carregava deu chabu. Por estas e outras, Morgenthau ganhou as medalhas Bronze Star, Gold Star e “a de que mais me orgulho”: a Medalha President Union Citation, que poucas pessoas receberam durante a Segunda Guerra”, disse a ISTOÉ na semana passada. Lembrou também que escapou de morrer no desastre aéreo que vitimou seu ex-patrão, Robert Patterson, do escritório de advocacia onde começou a carreira. Foi a única viagem em que ele não embarcou com o chefe.

Recorde – No campo político, o promotor também mantém a mesma obstinação em continuar existindo. Está no cargo de District Attorney de Manhattan desde 1975. O posto, diga-se, é eletivo e em 2005 Morgenthau estará concorrendo outra vez. Caso seja reeleito – o que as pessoas do meio consideram uma barbada –, seu mandato terminará quando ele estiver com 90 anos. Se isso acontecer, ele terá batido o recorde de seu antecessor: Frank Hogan, que serviu 32 anos como promotor distrital. É tempo suficiente para que novos piratas financeiros sejam tirados da toca. “Até agora, já condenamos seis pessoas, a partir do Caso Beacon Hill, financeira irregular que movimentou US$ 6 bilhões, distribuídos a empresas off-shore do Caribe, Europa e Oriente Médio”, diz. Foi ao ler em ISTOÉ sobre a ligação da Beacon Hill – empresa que abriu a famosa “conta tucano” – com o Banestado, que o escritório distrital da Promotoria de Manhattan fez contato com a revista. Na época, fevereiro de 2003, a primeira força-tarefa da Polícia Federal do Brasil estava em Nova York, investigando o caso. Com a ajuda de ISTOÉ, os policiais brasileiros procuraram os promotores americanos. Quatro meses depois, o próprio Morgenthau convocou uma entrevista coletiva e anunciou que havia quebrado o esquema da Beacon Hill, indiciado seus proprietários, e recolhido material que incriminava uma longa lista de pessoas. Entre estas estava o nome do ex-governador Paulo Maluf. “Paulo Maluf definitivamente está comprometido com a Beacon Hill. Foram feitas várias remessas irregulares para a Ilha de Jersey, e de lá para instituições financeiras na Europa e nos Estados Unidos”, assegurou Morgenthau na semana passada a ISTOÉ.

Sobre os novos resultados de suas investigações no caso, Morgenthau disse: “Temos o nome de uma pessoa do Brasil que enviou US$ 100 milhões numa operação irregular. O envio foi aceito pela instituição financeira americana sob a alegação de que aquele era um “Valuable Costumer” (cliente privilegiado). Mas a transação é ilegal. Estamos fazendo progressos, mas o processo investigativo é muito trabalhoso e demorado. É difícil descobrir quem mandou e quem recebeu as remessas. Mas pode ter certeza de que mais cedo ou mais tarde nós saberemos”, afirmou. Perguntado se recebe ajuda das autoridades brasileiras, o promotor foi breve: “Um pouco de ajuda.” De todo modo, seu escritório continua oferecendo e mandando ajuda para o governo do Brasil. O recente CD com 700 mil operações financeiras do MTB Bank – boa parte delas ilegais no Brasil, nos Estados Unidos, ou nos dois países – não será o último petardo de informações incriminadoras que sairá dos canhões de Morgenthau. Espera-se que, muito em breve, novo disquete mapeando tesouros piratas em outra instituição financeira americana chegará à caixa de correio da CPI do Congresso brasileiro.

O que motiva este octogenário tenaz e simpático? Viúvo do primeiro casamento – que resultou em cinco filhos –, é casado pela segunda vez com Lucinda Franks, 30 anos mais jovem, escritora premiada com o Pulitzer, com que teve mais dois filhos. Morgenthau vem de longa linhagem de excepcionais servidores públicos. Seu avô, Henry Morgenthau, foi nomeado pelo presidente Woodrow Wilson (1913-1921) embaixador no Império Otomano (que do século XIII ao XX, a partir da atual Turquia, atingiu a Europa central, o Oriente Médio e o norte da África). Seu pai, Henry Morgenthau Jr., foi secretário do Tesouro do presidente Franklin Roosevelt (1933-1945). Depois do curso de direito, na Universidade de Yale, e três anos de prática privada de advocacia, Robert foi indicado por seu amigo, o presidente John Kennedy (1961-1963), para o posto de promotor federal do Distrito Sul de Nova York.

Pizza – Seu nome passou a ser reconhecido no país, a partir de casos importantes como o processo que condenou o advogado, Roy Cohn, ex-secretário do senador Joseph McCarthy. Ele foi o criador do primeiro escritório de Investigação de Fraudes Financeiras. Passou dez anos neste posto até que o presidente Richard Nixon (1969-1974), descontente com a firmeza e honestidade de Morgenthau, obrigou-o a renunciar, pouco antes de o próprio Nixon cair em desgraça.

Em 1975, elegeu-se “Promotor Distrital Vitalício”– como o apelidou o ex-prefeito
de Nova York Rudolph Giuliani, que serviu sob a chefia de Morgenthau. O District Attorney de Manhattan “não gosta de pizza, no sentido figurado”, como afirmou reportagem de ISTOÉ publicada em junho de 2003, (edição 1760). Depois de ler a frase – “Ele lê tudo o que sai”, diz sua porta-voz, Barbara Thompson –, Morgenthau pediu explicações, informando: “Eu gosto de pizza.” Ao ser esclarecido sobre o significado de “acabar em pizza”, expressão tão comum no Brasil, Rober
t Morgenthau afirmou que, pelo menos nos Estados Unidos, o caso Banestado
não acabará desta forma.