Durante 22 anos, desde 1974, a cena era sempre a mesma. Ouvia-se “um, dois, três, quatro!” e o quarteto de cabeludos desgrenhados, casacos de couro, jeans rasgados e tênis imundos detonavam um som altíssimo com letras gritadas que mal deixavam entender a origem da língua. Eles eram os Ramones. Seja qual fosse o país em que a banda americana estivesse se apresentando, músicas como Sheena is a punk rocker, Now I wanna sniff some glue, Pet cemetery, Psycho therapy ou Rock’n’roll radio eram saudadas pela platéia com gritos de gabba gabba hey puxados pelo vocalista Joey (Jeffrey Hyman), pelo guitarrista Johnny (John Cummings), pelo baixista Dee Dee (Douglas Colvin) e pelo baterista de plantão. Foi uma trajetória e tanto. Não à toa, Dee Dee Ramone, o idealizador do grupo, em 1996 passou para a jornalista Veronica Kofman os manuscritos da sua autobiografia Coração envenenado – minha vida com os Ramones (Barracuda, 192 págs., R$ 35), que só agora é lançado no Brasil.

Sob o título original de Sobrevivendo aos Ramones, o baixista fez uma versão pouco condescendente com os colegas, porém fiel à sua própria história. A narrativa simples e direta mostra como um desajustado anônimo conheceu a fama. Filho de militar, Dee Dee foi criado na Alemanha e chegou adolescente a Nova York, já drogado e carregando o apelido que emprestaria ao seu futuro grupo, na verdade, roubado de Paul McCartney pré-Beatles – quando ele se autodenominava Paul Ramone, mesma fase em que Lennon apresentava-se como John Silver e Harrison como George Perkins. A convivência difícil com os colegas, em meio a um mundo povoado de traficantes, prostitutas e drag queens o impediam de deixar as drogas. Pouco a pouco, então, o músico foi ficando sozinho e paranóico. Dee Dee morreria de overdose em 2002, um ano após Joey ser vitimado pelo câncer, a mesma doença que está matando Johnny. A propóstio, o “um, dois, três, quatro!” foi tirado da introdução de I saw her standing there, dos Beatles, banda detestada pelos fãs dos Ramones, mas adorada por Dee Dee, hoje considerado um dos grandes cronistas da sua geração.