Incensado como um dos melhores representantes da moderna literatura de Angola, o escritor e jornalista José Eduardo Agualusa teceu uma trama bastante curiosa em seu mais recente livro O vendedor de passados (Gryphus, 200 págs., R$ 32). Com uma lagartixa como narradora, o autor descreve a fantástica aventura de um homem que vende histórias para aqueles que renegam seu passado. O nonsense, contudo, é cenário para Agualusa construir um enredo emocionante e mordaz, que envolve no marasmo da vida cotidiana os rancores que as lutas pela liberdade gravaram no peito do povo angolano.

Se a narração da lagartixa reforça um caráter absurdo pela seriedade do discurso do pequeno animal – reencarnação de um velho amigo do inusitado comerciante de passados –, aos poucos se transforma num registro de paixão e ódio, pois, à medida que a pessoa incorpora o passado que lhe foi inventado, ela assume sua identidade à raia da insanidade. De cada personagem e da própria narrativa pode-se falar muito pouco para não revelar o âmago crucial da história, que é sem dúvida surpreendente. É um texto ágil no qual Agualusa, como jornalista, mantém acesa a capacidade de se indignar, mas também de lançar mão da indignidade para provocar um sorriso amarelo na cara do leitor. A lagartixa é o de menos.