uando começa a novela global das oito, Senhora do destino, milhares de televisores de todo o Brasil estão sintonizados no mesmo canal. É a glória e a tortura do autor Aguinaldo Silva. Neste momento, da sua bela casa num condomínio da Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro, ele cumpre um ritual ligeiramente diferente dos espectadores que há 40 capítulos acompanham ávidos a sua trama. Aguinaldo liga a televisão e gruda um olho na telinha e outro no aparelho do Ibope, equipado com o programa real time, que fornece a contagem dos índices de audiência. Aos poucos, o cenho franzido de tensão é substituído por uma expressão de alegria. “Meu Deus, tinha 40 milhões de pessoas em casa, paradas, vendo o que eu escrevo!”, pensa. Não sem motivo, hoje Aguinaldo Silva é o verdadeiro Senhor do Destino que o País elegeu. Com poucas semanas no ar, seu folhetim conseguiu 47 pontos de média de audiência, batendo as bem-sucedidas antecessoras Celebridade, que no mesmo período tinha 42, Mulheres apaixonadas, 40, Esperança, 39, e O clone, 40.

Sem dúvida é uma das arrancadas mais espetaculares de uma novela das oito da Rede Globo nos últimos três anos. E o público ainda nem imagina a questão que promete causar a maior polêmica que ele revela com exclusividade a ISTOÉ. Senhora do destino vai falar sobre adoção de crianças pelas homossexuais femininas Eleonora (Mylla Christie) e Jeniffer (Bárbara Borges), que estão começando a ter um caso. A novidade aparecerá após o capítulo 100. “Em vez de repetir a velha história da aceitação ou não da dupla homossexual numa novela, eu vou dar um passo adiante. As duas vão viver juntas, sim, e vão tentar adotar uma criança abandonada no hospital público onde Eleonora, que é ortopedista, trabalha. Jeniffer acaba conhecendo o bebê e, como a companheira, também se apega a ele. Ambas decidem lutar pela adoção”, adianta Aguinaldo. “O que é melhor para essa criança, um orfanato, a Febem, as ruas, o abandono, a carência total ou um lar formado por uma dupla de mães?” Mylla Christie, feliz com a trajetória da sua personagem, confia no talento do autor. “O que vier de Aguinaldo Silva será de bom gosto. A abordagem deste tema é muito importante porque o Brasil tem uma fila enorme de crianças esperando para ser adotadas.” A questão tem a ver com o cerne da novela, que, como ressalta o autor, fala da “família em suas diversas formas”. O mote é a busca de Lindalva, filha de Maria do Carmo (Suzana Vieira), roubada ainda bebê.

O fato de a história ter conquistado o público tão cedo tomou o autor de surpresa. “É muita responsabilidade manter e fazer crescer esse sucesso todo, não é?” Mas Aguinaldo dorme todos os dias à meia-noite com a sensação do dever cumprido e acorda às 5h30 sabendo que enfrentará nova batalha. Para amenizar suas inquietações, ele cozinha. Amigos contam que é um gourmet exigente. Todos os dias prepara o próprio jantar, põe a mesa com requinte e celebra com meia garrafa de vinho. Se não tiver com quem brindar, é suficiente a companhia de Tadeu, o gato que o acompanha há 12 anos. Na casa de dois andares, confortável sem ser muito grande, é flagrante a paixão por obras de arte. Ele coleciona peças do período de 1870 a 1930 e um dia pretende criar uma fundação aberta ao público. Por enquanto, sua residência é quase um museu, inclusive com os mais modernos sistemas de segurança.

Outra paixão é o jornalismo. “Vão rir do que vou dizer, mas hoje, se eu tivesse que escolher, seria jornalista de novo.” Aguinaldo relembra um episódio que marcou sua carreira. “Eu trabalhava na Última hora do Nordeste e não me esqueço quando o editor saiu gritando: ‘A Marilyn Monroe morreu!’ Eu tenho saudade dessa adrenalina de saber a notícia em primeiríssima mão.” Aguinaldo Silva, hoje com 60 anos, marcou época por ser um dos fundadores do jornal alternativo Lampião da Esquina, que ficou conhecido como a primeira publicação gay do Brasil. “Nasceu em 1978, durou três anos e nos rendeu muitos processos”, conta. Mas foi o trabalho de repórter policial em O Globo que o levou à tevê. Convidado a fazer roteiros para o programa Plantão de polícia, nunca mais deixou a telinha, apesar de já ter ensaiado algumas vezes. “Não sou novelista, estou novelista”, costuma repetir.

A frase destoa da contabilidade. Em 26 anos de carreira, assinou vários dos maiores sucessos da Globo e é o único autor da emissora que escreveu novelas apenas para o horário nobre. Coincidência? “Por um lado sim; por outro, eles sabem que eu tenho a mão pesada. Vejo a família Sardinha na novela das sete e confesso que jamais teria aquela leveza. Se fosse comigo, alguém já teria entrado em crise.” A modéstia contrasta com a audácia do adolescente que, aos 15 anos, mandou os originais de seu primeiro livro para a Editora do Autor – cujos donos eram, simplesmente, Vinicius de Moraes, Fernando Sabino, Rubem Braga e Paulo Mendes Campos – com um bilhete que começava assim: “Sou um caso raro de precocidade e intuição…” Duas semanas depois, um telegrama de Sabino confirmava o prognóstico anunciando que o livro seria publicado. “Aí pensei que realmente era um escritor.”