Temperaturas de 30ºC negativos, nevascas, ventos tão fortes que chegaram a derrubar um homem com mochila e equipamento de escalada nas costas, num total de quase 80 quilos. Ingredientes perfeitos para qualquer ser humano em sã consciência ficar dentro de casa. E justamente o que sonhavam os alpinistas paulistas Vitor Negrete, 36 anos, e Rodrigo Raineri, 35, quando decidiram escalar durante o inverno o Monte Aconcágua, na Argentina, a maior montanha das Américas, com quase sete mil metros de altura.

No sábado 7 de agosto, eles se tornaram os primeiros brasileiros a alcançar o cume da montanha nesse período do ano. Não há registros oficiais, mas calcula-se que apenas duas dezenas de pessoas no mundo tenham realizado tal proeza. O número pequeno de tentativas se explica pelas condições de tempo. A subida é feita pela face noroeste da montanha, a mais usual e que possui pouca dificuldade técnica. Difícil foi vencer o frio. À noite, o termômetro ficava abaixo dos 25ºC negativos e as rajadas de vento provocam a sensação térmica de pelo menos dez graus a menos.

Vencer o sentinela de pedra branca, como é chamada a montanha localizada na província de Mendoza, é uma dupla aventura. Primeiro porque ele está entre os destinos preferidos dos alpinistas em razão de seu relevo. Depois, porque o Aconcágua é um dos Sete Picos do Mundo, o conjunto de montanhas formado pelos pontos geográficos mais altos em cada um dos continentes, segundo classificação do americano Dick Bass, no livro Sete Picos.

Além das nevascas, que atrapalham a visão e dificultam o desloca-mento do grupo, a montanha fica praticamente coberta de uma espessa camada de gelo. Por isso, os cuidados para caminhar por ela são redobrados. Um vacilo e uma escorregada podem
ser fatais. Não há como brecar no gelo. Além disso, em caso de acidente, o resgate se torna praticamente impos-sível, pois não há helicópteros que resistam à força dos ventos.

Para o engenheiro de computação Rodrigo Raineri, proprietário de uma agência de turismo de aventura, a conquista teve sabor duplo de vitória. “Já subi ao cume do Aconcágua quatro vezes e nunca consegui enxergá-lo por causa do mau tempo. Dessa vez, o céu estava claro e com sol. Foi uma bênção, chorei uma hora sem parar”, confessa. A façanha foi repetida no dia seguinte pelos outros três integrantes da equipe que chegaram ao final da expedição: Antonio Carlos Soares, 30 anos, Roman Romancini, 29, e o argentino Horacio Cunietti, 38. Para o segundo grupo, a experiência foi mais tensa porque o tempo voltou a ficar instável. Com o aumento dos ventos, eles foram obrigados a caminhar quase agachados em alguns trechos da subida. “Se o clima melhorasse seria lucro, porque tempo ruim era o cenário esperado”, diz Soares.

Durante a expedição, que durou 17 dias, a equipe enfrentou muitas dificuldades. Alguns momentos foram marcantes, como caminhar por duas horas sobre um rio congelado dentro de um vale, ou enfrentar ventos de mais de 80 km/h de velocidade, que faziam surgir ondas de areia e pedras com quatro metros de altura. “Parecia cena de filme. Quando a onda chegava perto, éramos obrigados a virar de costas, agachar e esperar ela passar”, diz Soares.

A aventura faz parte da Try On Expedition, série de expedições pilotada por
Negrete e Raineri, dois dos mais importantes alpinistas do País. Experiência
não lhes falta. Entre outras conquistas, o engenheiro de alimentos Negrete, que é sócio de uma farmácia de manipulação, escalou o pico Condoriri, na Bolívia, e o Monte Rincón, na Argentina. Já Raineri escalou o vulcão Ojos del Salado, no Chile, e o Mont Blanc, na Europa.

Os dois foram os primeiros brasileiros a escalar o Aconcágua pela face sul, em 2002, uma das três rotas mais perigosas e difíceis do planeta, com precipícios de mais de três mil metros de profundidade. O lugar foi cenário de um dos mais trágicos acidentes envolvendo aventureiros brasileiros. Em 1998, os alpinistas Mozart Catão, Othon Leonardos e Alexandre Oliveira morreram depois de ser atingidos por uma avalanche. Catão, o líder da expedição, estava sem cordas no momento e foi carregado pela neve. Os outros dois ficaram pendurados por seus equipamentos a 4.500 metros de altura e não resistiram ao frio. Seus corpos permanecem na montanha até hoje.

Tigre – Escalar o Aconcágua no inverno serviu de laboratório para a próxima empreitada da dupla de aventureiros. Negrete e Raineri agora planejam vencer o Everest, a montanha mais alta do mundo. Sem usar oxigênio extra. Nenhum brasileiro conseguiu tal feito. “Os equipamentos necessários e as baixas temperaturas são semelhantes à expedição do Aconcágua. O que muda é o
tempo, a comida e o dinheiro que se leva”, diz Raineri.

Apesar de não haver montanhas geladas no Brasil, o País se orgulha dos feitos de alguns de seus melhores esportistas. O alpinista paranaense Waldemar Niclevicz foi o primeiro a conquistar o Everest com oxigênio, em 1996, e o primeiro brasileiro a fazer a rota dos sete picos, entre 1996 e 1997. Mesmo com os riscos de acidentes graves, o alpinismo faz parte do segmento de esportes de aventura que cresce com muito fôlego no Brasil. Segundo a Confederação Brasileira de Montanhismo e Escalada, há quase dez mil alpinistas no País.

Quem quer se aventurar nas alturas deve levar em conta alguns detalhes básicos para evitar riscos. Além do entrosamento da equipe, paciência e rapidez de decisão são essenciais. “Não dá para agir no impulso e é preciso estar preparado a qualquer hora do dia ou da noite”, diz Raineri. É fundamental ainda não ultrapassar os próprios limites. A primeira dica é notar os sinais do corpo, como dores de cabeça e cansaço. Uma noite mal dormida pode ser decisiva na hora da escalada. “A montanha é como uma fonte de água guardada por tigres. Para beber a água e voltar inteiro para casa, temos de esperar a hora em que eles dormem. Às vezes eles rosnam, mas, se aproveitamos os momentos de distração, saímos sãos e salvos”, compara Negrete.