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Os cubanos reivindicam mudanças na economia, mas acostumados a um Estado paternal, não querem perder os subsídios dos quais gozaram por 50 anos desde a Revolução, e muito menos a "caderneta de abastecimento", que o presidente Raúl Castro propõe eliminar na reforma do modelo socialista.

"É preciso fazer muitas mudanças em Cuba para ver se podemos deixar de passar trabalho (dificultades) e viver um pouquinho melhor. Mas com a escassez que existe, não acho que seja o momento de eliminar a caderneta", disse Joaquina Treviño, uma professora aposentada de 78 anos que, com a caderneta em mãos, fazia as compras de sua quota mensal em um armazém do bairro Vedado.

A eliminação da "caderneta", de algumas prestações do seguro social e outros serviços como refeitórios e transportes operários para "aliviar a carga ao Estado", estão etre as diretrizes do futuro modelo econômico que a ilha comunista seguirá, segundo um documento apresentado por Raúl Castro, esta terça-feira, aos cubanos.

Símbolo do igualitarismo que caracterizou durante 50 anos o modelo cubano, a caderneta de abastecimento foi criada em 1963, quatro anos depois da vitória da revolução de Fidel Castro, quando começaram a faltar alguns comestíveis, como a manteiga, devido ao embargo que os Estados Unidos impõem à ilha desde 1962.

O sistema garante uma quota mensal de arroz, feijão, açúcar, frango, óleo, pão e café, entre outros produtos, a ao custo de centavos de dólar, mas foi esta quota foi sendo reduzida nos últimos dois anos, e os cubanos, com um salário médio de 17 dólares por mês, precisam completá-la no mercado negro ou em lojas a altos preços em pesos conversíveis ou ‘CUC’ (1 CUC equivale a 25 pesos cubanos e a 0,8 dólar).

Segundo o projeto, se avançará para a eliminação da moeda dupla – algo muito reivindicado pela população, que ganha em pesos cubanos e compra em CUC – e a flexibilização da compra e venda de casas, também pedida pela população. "A caderneta ampara muitas pessoas. Se for eliminada, vão comprar aqueles que têm dinheiro e os outros ficarão às cegas. Serei a primeira a protestar", comentou Irma Vejerano, de 75 anos, 40 deles como gerente de armazém. Mulata, como muitos cubanos, Irma teme que a eliminação da caderneta afete "sobretudo os mais velhinhos, com pensões miseráveis".

O "Projeto de Diretrizes da Política Econômica e Social", que será submetido a debate popular para, então, ser aprovado em abril pelo VI Congresso do Partido Comunista (PCC, único), começou a circular esta terça-feira em exemplares impressos que se esgotaram rapidamente. Por isso muitos cubanos desconheciam seu conteúdo.

Rolando, um técnico em informática de 29 anos, o procurava esta quarta-feira por toda Havana, embora já tenha "dado uma olhada no exemplar" de um amigo. "Se fizerem o que diz aqui, isto se ajeita", disse, com otimismo, em alusão às reformas que incluem uma maior abertura ao setor privado e ao capital estrangeiro. "Países como China e Vietnã conseguiram sair do buraco. Por que os cubanos não podemos? Porque não trabalhamos", disse seu amigo, Gerardo, também técnico em informática, ressaltando que a razão principal "são os baixos salários pagos pelo Estado".

Desde que assumiu o poder, em julho de 2006, após a doença de seu irmão, Raúl Castro deixou claro que eliminaria "gratuidades e subsídios indevidos", e em um discurso no Parlamento, em agosto, pediu para "apagar" a imagem "de que Cuba é o único país do mundo onde se pode viver sem trabalhar". O presidente retirou, ainda, garantias de rescisão contratual, estímulos a trabalhadores como hospedagens em hotéis, e reduziu gastos nos setores de educação e saúde, que são gratuitos. O vice-presidente e comandante da Revolução, Ramiro Valdés, pediu aos cubanos que não esperem que o "papai Estado" leve "a comidinha à boca".

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