O motorista de táxi aponta para as favelas fincadas no monte Ávila, em Caracas, capital da Venezuela: “Veja o resultado de 50 anos do regime chamado liberal. Vamos dar uma chance ao Chávez.” O veredicto, citado no jornal britânico Financial Times, expressa o sentimento da maioria da população pobre da Venezuela, que no domingo 15 foi maciçamente às urnas para dizer “não” – 59,06% contra 40,94% – à proposta da oposição de revogar o mandato do presidente Hugo Chávez, que, assim, foi mantido no poder até 2007. O referendo, do qual participaram 8,5 milhões dos 14 milhões de eleitores venezuelanos (75% do total), foi a quarta e mais expressiva vitória eleitoral do presidente desde que ele foi eleito, há seis anos. Apesar disso, esse retumbante sucesso do governo dificilmente porá fim à polarização que se instalou na Venezuela. A oposição prefere o diabo a Chávez, a quem acusa de populista e autoritário. Tanto que, em vez de reconhecer a derrota, seus líderes denunciaram uma “fraude maciça”, acusação mantida mesmo depois que a Organização dos Estados Americanos (OEA) e o Centro Carter, principais observadores internacionais, declararam que o plebiscito tinha sido limpo.

Tenente-coronel da reserva do Exército, Chávez foi eleito em 1998, seis anos depois de liderar uma tentativa de golpe militar contra o então presidente Carlos Andrés Pérez. No poder, ele colocou as instituições venezuelanas de ponta cabeça: convocou uma Assembléia Constituinte, elaborou uma nova Carta, ampliou seu mandato para sete anos, mas se submeteu ao sufrágio dos eleitores. Essa democracia plebiscitária, aliada à mobilização das Forças Armadas para ações sociais junto à população pobre, constituíram as bases do novo poder chavista. Assustados, o empresariado e a classe média foram para a oposição. Seus representantes, os partidos políticos tradicionais – a Ação Democrática e o Copei, que durante 40 anos controlaram o poder em regime de condomínio e corrupção institucionalizada –, foram praticamente riscados do mapa político. “Os partidos se esfacelaram porque não conseguiram vencer a desconfiança da maior parte da população. Como consequência, os meios de comunicação assumiram o papel de atores políticos”, afirmou a socióloga Maryclen Steling, da Universidade Católica Andrés Bello, de Caracas, para explicar o protagonismo da grande mídia, majoritariamente antichavista, na atual política venezuelana.

Depois de quatro anos turbulentos, incluindo um fracassado golpe de Estado
em 2002 capitaneado por empresários, sindicalistas e altos oficiais militares,
Chávez conseguiu reverter a maré montante que se acumulava contra si. Parte
dessa vitória deve ser atribuída à recente alta dos preços do petróleo – o barril está próximo dos US$ 50 e a Venezuela é o quinto maior exportador de petróleo e o segundo fornecedor dos EUA. O “ouro negro” responde por cerca de 75% das exportações e pela metade da receita fiscal do país. Esse aumento tirou a economia venezuelana da pior recessão da sua história e, este ano, a Venezuela deverá crescer 12%. Com esse fôlego, Chávez pôde afagar sua base popular com uma série de programas sociais. Em segundo lugar, a oposição, apesar de virulenta, é um saco de gatos cujo único denominador comum é o ódio ao populismo chavista. Por último, a tenaz oposição de Washington e Wall Street a Chávez se resume
hoje a uma questão retórica. “Os mercados se acostumaram comigo e eu com eles”, brinca Chávez. Mas quase a metade dos venezuelanos ainda não se convenceu disso. Para estes, a luta continua.