Elas acreditam que o príncipe encantado está a caminho e que um dia serão felizes para sempre. Mas, enquanto isso não acontece, o negócio é viver cada experiência livre e sem culpa. Suas avós eram consideradas mulheres de verdade: cuidavam dos filhos e da casa, tal qual a Amélia da canção de Mario Lago e Ataulfo Alves, de 1942. A geração seguinte exorcizou a Amélia e deu passos largos na luta pela igualdade de direitos entre os sexos, deixando para as filhas um campo menos minado no trajeto para o sucesso profissional. Às herdeiras dessa geração restou a tarefa de resolver a equação carreira + filhos + amor + sexo. Elas não foram criadas para ser donas-de-casa – muitas, inclusive, são chefes de família – e o caminho para o mercado de trabalho foi natural. Mais seguras e independentes financeiramente, sentiram-se à vontade para mudar o modelo de etiqueta sexual. Essa nova mulher corteja os homens, transa sem compromisso e até flerta com o bissexualismo. No século XXI, surge de forma expressiva a terceira onda do comportamento feminino: a “mulher andrógina”.

Essa mulher une características tradicionalmente femininas, como o desejo de ser mãe e de encontrar o homem ideal, e masculinas, como a postura competitiva no mercado de trabalho. Derrubou velhas regras do jogo da conquista: a andrógina toma, sem pudores, o primeiro passo e é atirada em suas atitudes. Para a psicóloga especializada em comportamento feminino Cris Linnares, autora dos livros Divas no divã e Cinderela de saia justa, o desejo da mulher da terceira onda é harmonizar vida pessoal e carreira. “É o momento de tentar o caminho do meio. O movimento feminista injetou a energia masculina nas mulheres. Agora elas procuram unir as energias dos dois sexos, pois entendem que homens e mulheres têm necessidades diferentes”, diz a psicóloga.

Ela explica ainda que o termo andrógina vem do mito do andrógino, citado por Platão no clássico O banquete. De acordo com a explicação mitológica, houve um tempo em que não havia homens e mulheres, mas seres superiores aos humanos, os andróginos, dotados de quatrobraços, quatro pernas, uma cabeça com duas faces opostas e dois sexos. Providos de força e agilidade sobre-humanas, tornaram-se orgulhosos e, inconsequentes, empreenderam uma escalada até o céu. Zeus não gostou da ousadia e, zangado, dividiu cada andrógino em dois. Desde então, a humanidade ficou dividida em duas partes que se procuram para voltar ao original.

Para a terapeuta sexual Márcia Bittar, da PUC-SP, o movimento andrógino descortina um comportamento que sempre existiu. “O processo de emancipação feminina fez ‘cair o pano’. Hoje a mulher fala de sexo de forma explícita, sabe que tem necessidade de transar, como os homens, e reclama quando a coisa não vai bem. Isso sempre existiu, mas agora saiu da alcova e foi para a sala de estar”, explica. A anti-Amélia, incentivada desde criança a estudar, trabalhar e “não depender de ninguém”, adquiriu segurança para perseguir seus objetivos e fazer o que tem vontade, sem as preocupações moralistas que tinham suas avós. E, na hora da paquera, não espera o homem fazer a corte. Nem tudo, entretanto, é perfeito no mundo das mulheres de atitude, que precisam conviver com o risco da rejeição depois de uma investida. “Elas estão mais livres para tomar a iniciativa, ou pelo menos expô-la com mais clareza. Mas continuam insatisfeitas com as respostas dos homens”, afirma o psicoterapeuta Luiz Cuschnir, diretor do Centro de Estudos da Identidade do Homem e da Mulher (Iden). “Os homens ainda reclamam que muitas mulheres se vulgarizam quando adotam uma postura masculina, pró-ativa e incisiva demais. Eles aceitam as abordagens, desde que elas saibam utilizar táticas que evidenciem as diferenças e polaridades entre os sexos”, explica Cuschnir.

Traduzindo: eles ainda não estão preparados e se assustam com tanta atitude. Quando um homem encontra uma mulher que se precipita demais na paquera, ele aceita, se deixa levar para a cama e, normalmente, some. Ele percebe que não há um equilíbrio, pois a moça acabou fazendo a parte dos dois no jogo da sedução. No entanto, se a transa não vira namoro, não há frustração. “Sexo casual acontece e, ao longo dos anos, fui aprendendo a não esperar um telefonema no dia seguinte”, conta a empresária paulista Patrízia Curi, 34 anos. As mulheres andróginas também inovam ao reclamar com o parceiro quando a transa não está tão quente, derrubando por terra o velho hábito de fingir orgasmos para agradar a outra parte. A performance íntima do homem é o tema preferido de Tati Quebra-Barraco, a funkeira carioca que virou ícone pop com hits agressivos e carregados de uma espécie de neofeminismo xiita. Ainda que de forma extrema, traduz a filosofia da “terceira mulher”. Nascida e criada na comunidade carioca de Cidade de Deus, Tati – quem diria – tornou-se a voz feminina do pancadão e reina absoluta nos bailes funk do Rio de Janeiro. Casada e mãe de três filhos, arrematou uma legião de fãs fora do morro. Seu funk chegou às pistas das baladas frequentadas pelos moderninhos. “Tem muito homem que não sabe como tratar uma mulher na cama”, alfineta a funkeira.

O movimento andrógino é também, de certa forma, um resgate da “Amélia” interior que toda mulher tem, por mais independente e liberada sexualmente. A radialista Marilei Schiavi, 33 anos, é um exemplo de feminista ferrenha que encontrou o equilíbrio. Até os 30 anos, ela nunca havia namorado e a prioridade de sua vida era a carreira. “Eu me masculinizei demais para competir no trabalho. Usar maquiagem e ir ao cabeleireiro, jamais!”, comenta ela. “Saía com uns rapazes, mas, quando sentia que poderia me envolver,
fugia. De repente senti falta e resolvi resgatar uma mulher que eu não conhecia: bonita, vaidosa e que mesmo assim se dá bem na profissão”, lembra. Hoje, Marilei está de casamento marcado com o também radialista Ayl Marques, 31 anos. Cheia de segundas intenções, a então colega de trabalho o convidou para tomar um vinho. Ele aceitou. “Fiquei encantado com sua inteligência e sensatez. Temos muitas afinidades, gostamos de política e radialismo”, conta ele.

Esse anseio feminino por conciliar sucesso profissional e romance foi traduzido na voz das rappers do Fulerô o Esquema. As letras das músicas das paulistanas Adriana Pires, 32 anos, e Paula Preta, 30, satirizam tanto a pose pretensiosa de alguns machões quanto a atitude “Amélia” que algumas mulheres tomam para conquistá-los. “Se eu lavo, passo, cozinho, por que será que eu não tenho namorado?”, diz um dos versos das moças. Adriana, que é casada e mãe de um bebê de nove meses, explica: “Não achamos que existe essa dicotomia entre filhos e sucesso na profissão. Queremos os dois.” Paula, mãe da pequena Esmeralda, nove anos, endossa a opinião da parceira de rap. “Nossa geração briga para ser mãe, trabalhar, estudar e se divertir livremente. Tudo ao mesmo tempo.”