São duas semanas de ritos simboli-zando o último lamento pelos mortos e a preparação de seus espíritos rumo à vida em um plano superior. Na manhã do penúltimo dia, os troncos simbolizando cada morto, esculpidos, pintados e enfeitados, são cravados na área central da aldeia. Familiares, com pinturas tribais feitas com urucum e seiva de jenipapo, velam os mortos com seu choro e lamentações, que começam na tarde de um dia e se encerram na manhã do dia seguinte. Pajés, cantando e dançando horas a fio sem demonstrar nenhum sinal de cansaço, comandam o ritual. À noite, em volta de fogueiras, que além de serem a única luz, ajudam a amenizar o frio de menos de 10 graus para todos que participam da cerimônia, há outro ritual que simula a luta pelo fogo. Grupos das outras tribos, acampados fora da aldeia, na mata, encenam ataques à taba central, levando como prêmio tochas que manterão acesas suas próprias fogueiras. Finalmente amanhece o dia. É tempo de terminar a última lamentação pelos mortos, pois chegou a hora da festa, que simboliza o renascimento, a vida, a alegria. É o momento do uka-uka, uma espécie de luta livre que é o esporte nacional do Xingu. A disputa acontece entre as equipes de todas as aldeias convidadas contra o time dos anfitriões e dura várias horas, terminando por volta do meio-dia, sem vencidos nem vencedores. No fim da tarde, depois da realização de casamentos com as virgens que ficaram reclusas após a primeira menstruação, desde o último Quarup, os troncos simbolizando os mortos (os quarup) são jogados no rio. O morto passa a ser lembrado de maneira feliz pelas boas qualidades e feitos heróicos.

E o Quarup, o milenar rito de morte, vida e renascimento das 14 etnias do Xingu, a cada nova versão, se renova. A equipe de ISTOÉ acompanhou, nos dias 14 e 15 deste mês, o Quarup realizado na aldeia Kamaiurá, no parque do Xingu, à beira de uma lagoa formada pelas águas do rio. Desta vez, além de quatro índios (dois homens e duas mulheres, dois da própria aldeia e dois da aldeia Kuikuro, a maior do Xingu), os índios resolveram homenagear o jornalista Roberto Marinho, presidente das Organizações Globo, falecido no ano passado. Ele passa a integrar um grupo seleto que inclui Darcy Ribeiro e os irmãos Cláudio e Orlando Villas-Boas, únicos brancos que tinham sido considerados pelos índios como merecedores da honraria. Segundo os caciques Kitok, da aldeia Kamaiurá, e Aritana, da aldeia Yawalapiti, representante de todas as tribos do Parque do Xingu, a escolha de Roberto Marinho foi uma retribuição ao apoio da mídia em geral à causa indígena. “Quando tevê mostra que índio faz coisas boas, nos ajuda na luta para manter nossas terras e cultura”, afirma Aritana. A família Marinho se fez presente. Seu filho mais novo, José Roberto, vice-presidente do grupo, levou os filhos Flávia, Paulo e Isabela e o sobrinho Roberto ao Xingu. Pintados dos pés à cabeça, cumpriram todo o ritual. “Estamos muito emocionados com a homenagem a papai. Ele certamente está satisfeito com todo esse ritual que termina em festa”, afirmou José Roberto. Para o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, que pela primeira vez esteve em um Quarup, “Roberto Marinho foi um grande brasileiro, merecedor da homenagem.”