A reportagem de capa da ISTOÉ 1819 provocou grande repercussão. A publicação da carta do jornalista Luís Costa Pinto, ex-editor da revista Veja, e o relato do ex-deputado Ibsen Pinheiro sobre o erro que ajudou a enterrar a sua carreira política causaram perplexidade. A Veja, onde há 11 anos foi publicado o erro, reagiu, num primeiro momento, com a mesma sensatez demonstrada por Ibsen, que disse a ISTOÉ: “O denuncismo tem cura, mas na imprensa censurada o denuncismo é eterno.” Em clara crítica ao projeto do Conselho Federal de Jornalismo enviado pelo governo ao Congresso, a frase de Ibsen foi publicada na capa de ISTOÉ. Veja, depois de ter acesso à reportagem de ISTOÉ, publicou em sua matéria de capa o seguinte texto: “A imprensa erra, mas os erros acabam aparecendo quando não são corrigidos logo em seguida pela apuração correta dos fatos. Veja lamenta os enganos que cometeu nos casos de Alceni (Guerra), Eduardo Jorge e Ibsen Pinheiro.” Um pedido de desculpas tardio, mas, de qualquer maneira, um ato de sensatez. Mas o exemplo de equilíbrio e bom senso do fim de semana cedeu lugar a uma histérica demonstração de descontrole. Em sua versão online, que entrou no ar na terça-feira 17, Veja resolveu atacar ISTOÉ. Num texto em que não esconde sua falta de argumentos, o semanário da Abril não explica o inexplicável: por que Veja publicou uma informação errada, que havia sido detectada pelos seus próprios mecanismos de checagem ainda no prazo de fechamento e com tempo hábil para correção? Errar, toda a imprensa mundial já errou. O assunto que mereceu capa de ISTOÉ é muito mais grave. Trata-se da discussão da manipulação de informações acerca das contas bancárias de um cidadão, mesmo sabendo que os dados apontados pela revista estavam errados.

Já na abertura da página da

Veja On Line

há uma tentativa de manipulação. É reproduzida uma chamada interna de ISTOÉ para dar a impressão de que a revista cometeu na época uma capa igual à de

Veja

. Não é verdade. A capa de ISTOÉ naquela edição era sobre outro assunto. No mesmo texto de

Veja On Line

, foi feita uma montagem com o título de uma reportagem interna de ISTOÉ misturado à legenda de uma foto: “ISTOÉ de 1993. Até Tu Ibsen – Ibsen movimentou em suas contas pelo menos US$ 1 milhão desde 1990.” A segunda frase era legenda de foto no texto de ISTOÉ, e não parte do título, como

Veja

quer fazer acreditar. A reportagem de ISTOÉ não falava em depósitos de US$ 881 mil na conta de Ibsen, informação comprovadamente falsa e repetida várias vezes por

Veja

. Pelo contrário, o texto de ISTOÉ foi cuidadoso com o ex-deputado: “A CPI parece ter se enganado ao denunciar os depósitos e levantar a suspeita de que se tratava de repasses financeiros do pessoal da máfia do Orçamento.”

“Na semana passada, ISTOÉ acusou Veja de ter feito exatamente a mesma coisa que ela fez”, diz o site. Também não é verdade. Veja foi acusada pelo jornalista Luís Costa Pinto de ter publicado informações comprovadamente falsas. Não há nenhuma acusação contra ISTOÉ, cuja reportagem de capa da semana passada falava exatamente do estrago produzido. Em sua última edição, ISTOÉ apenas revelou o fato. A informação falsa vazada pela CPI é que levou toda a imprensa ao erro, inclusive a legenda da foto de ISTOÉ. A diferença é que, como relatou Costa Pinto, Veja teve acesso aos extratos, refez as contas e mesmo assim publicou a capa contra Ibsen.

Também não é verdade que Veja tenha se corrigido na edição seguinte, como diz o site. Em uma semana, dá a foto de Ibsen na capa – com o título interno de “Uma estrela na lama” – e numa reportagem de seis páginas confirma em vários trechos que o então parlamentar havia recebido US$ 881 mil (informação que sabia ser errada). Na semana seguinte, em uma página com o título “Um milhão de dificuldades”, Veja repassa a culpa pelo erro – que conhecia de antemão, conforme relatou Costa Pinto – para a CPI, como se não tivesse sido alertada para o superfaturamento em 1000% dos depósitos atribuídos a Ibsen Pinheiro.

Veja também é tomada pela histeria quando desclassifica o jornalista Luís Costa Pinto. Quem trabalhou durante sete anos em sua redação, conquistou vários prêmios – inclusive com a famosa entrevista de Pedro Collor que deu origem ao processo de renúncia do presidente Collor –, não poderia ser tratado por “lobista de empresas multinacionais, marqueteiro, consultor do PT e ex-jornalista”. Nem um stalinista Conselho Federal de Jornalismo da velha União Soviética faria o que fez Veja: julgar, condenar e cassar um profissional em tempo recorde.

O descontrole também comprometeu a leitura. A calma permitiria ver que
tanto a capa de ISTOÉ com Ibsen Pinheiro como o editorial daquela edição
são libelos contra o nefando Conselho Federal de Jornalismo. Com um
pouco mais de equilíbrio se perceberia que, já na capa, ISTOÉ fez questão de reproduzir a declaração de Ibsen e, ainda, que no editorial, na página 19, diz
em bom português: “O ápice da insensatez foi atingido com o envio ao Congresso
de um projeto de Conselho Federal de Jornalismo. (…) O momento em que isso acontece mostra a intenção de tolher uma das funções básicas do jornalismo, que é olhar o poder com lupa e relatar o que de errado encontrar. (…) O que rege o jornalismo é a Constituição do Brasil.”

É uma pena que Veja perca o controle e abuse de impropérios ao tentar cavar delirantes teorias conspiratórias para tentar justificar, 11 anos depois, uma página inexplicável de sua história. A revista escreveu em seu site: “Parece ser mais que uma simples coincidência o fato de a ISTOÉ ter dado uma capa em que procura desacreditar o bom jornalismo de Veja na mesma semana em que Veja atacou a tentativa do governo de amordaçar a imprensa. (…) A capa de ISTOÉ foi ostensivamente comemorada pelo advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, amigo íntimo do ministro José Dirceu e advogado do PT, conhecido nas franjas do poder (e também nas sombras) pelo apelido de Cacai.” Realmente um delírio. A verdade e a cortesia mereciam mais respeito.