Três milhões e seiscentos mil brasileiros vivem uma rotina de angústia pavorosa. Sem motivo nenhum e sem hora marcada, eles estão sujeitos a paralisar de medo. Sentem o chão sumir, a morte se aproximar, a respiração faltar. O coração dispara e os tremores tomam conta do corpo. A crise pode acontecer em casa, no trabalho, no supermercado, no trânsito. Eles sofrem do transtorno do pânico, um distúrbio caracterizado por uma ansiedade devastadora. Por causa da doença, muitos desenvolvem o medo de sentir medo. Isolam-se em casa, deixam o trabalho, os amigos e anseiam pelo fim desse sofrimento.

Felizmente, a ciência tem feito um grande esforço para trazer alívio a essas pessoas. Pode parecer óbvio, mas a simples constatação de que se trata de um distúrbio é um progresso. Até os anos 60, as crises eram consideradas sintomas de loucura e como tal eram tratadas. Ou seja, o portador corria o risco de ser excluído da sociedade e morrer sem socorro. Hoje, os psiquiatras trabalham com parâmetros precisos para identificar se o indivíduo padece do transtorno, incluído na última versão da Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde.

Além disso, as informações disponíveis sobre o cérebro proporcionam uma compreensão mais nítida do problema. Já são conhecidas, por exemplo, as áreas cerebrais envolvidas no aparecimento dos sintomas. Elas determinam as reações do corpo diante de uma situação de perigo (leia à pág. ao lado). As mudanças na química cerebral associadas à síndrome também foram desvendadas. Há um desequilíbrio na produção e absorção da serotonina e da noradrenalina, duas substâncias que fazem a comunicação entre os neurônios.

Família – O estudo do distúrbio vem permitindo o melhor entendimento de suas causas. Uma das já identificadas é a predisposição genética. “Pessoas com parente de primeiro grau portador da síndrome têm mais chances de sofrer de pânico”, informa o psiquiatra Mário Louzã, do Hospital das Clínicas de São Paulo (HC/SP). É claro que ter um parente com a síndrome não é a sentença de que os outros familiares também terão. Nesse caso, os genes não mandam sozinhos. Para que a doença se manifeste, é preciso que o indivíduo esteja sob a ação de fatores emocionais e ambientais favoráveis. “Estressados ou deprimidos que também apresentam predisposição podem ter o transtorno”, explica o psiquiatra Miguel Roberto Jorge, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Mesmo quem não tem o componente genético está sujeito às crises. Em especial pessoas com algumas características de personalidade. “Muitos pacientes são altruístas, perfeccionistas, têm dificuldades para dizer não e são muito exigentes consigo”, explica o psiquiatra Elko Perissinotti, do Hospital São Luiz, em São Paulo. Um trabalho coordenado pelo psiquiatra Antônio Nardi, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, aponta também que pessoas com asma e bronquite têm risco maior. A falta de ar sofrida por esses pacientes leva à baixa oxigenação cerebral, o que estimula as crises. “Ao tomar consciência dessa relação, o indivíduo pode aprender a controlar a respiração e evitar o ataque”, diz o médico. O trabalho será apresentado nesta semana na Jornada da Associação Psiquiátrica do Rio de Janeiro.

Informações preciosas como essas nortearam a criação de estratégias de tratamento. “Quanto mais se desvenda a doença, maiores as chances de criar um tratamento eficaz”, diz o psiquiatra Jorge Alberto Costa e Silva, diretor do Centro de Pesquisa em Transtornos Mentais da Universidade de Nova York. Hoje, há medicamentos, terapia e técnicas de relaxamento. Os remédios indicados são os antidepressivos, que equilibram a disponibilidade de serotonina e noradrenalina, e os benzodiazepínicos, que aplacam a ansiedade. “Ansiolíticos e antidepressivos agem por mecanismos diferentes, mas em eficácia são iguais”, diz o psiquiatra Marcelo Feijó, da Unifesp. E nessa área há novidades. Em outubro, o laboratório Roche lançará uma versão sublingual do ansiolítico clonazepam, já usado contra o transtorno. O remédio deve ser colocado sob a língua. Isso significa uma boa ajuda para quem faz uso de medicamentos. Ao pressentir mais um ataque, é só colocar o comprimido debaixo da língua. É mais prático e mais fácil do que mastigar um comprimido ou correr para a água mais próxima para ajudar a engolir uma pílula. Outro lançamento que promete trazer benefícios é a nova composição do ansiolítico alprazolam, da Pfizer. O remédio, que antes precisava ser tomado pelo menos duas vezes ao dia, terá efeito de 24 horas. Por isso, o paciente precisará consumir apenas um comprimido no café da manhã.

Exposição – A terapia adotada é a cognitiva comportamental. No treinamento, o portador é exposto gradativamente aos gatilhos das crises para aprender a lidar com eles. Se tem medo de sair de casa, por exemplo, deve se imaginar fazendo isso. O passo seguinte é estimulá-lo a chegar até a porta e assim por diante. Com o tempo, as doses dos remédios diminuem e as sessões de terapia também. Mas é importante o paciente ter acompanhamento. “O transtorno precisa sempre estar controlado”, explica o psiquiatra Márcio Bernik, do HC/SP. Há pacientes que se livram dos remédios e da terapia. Porém, isso só é possível quando se consegue detectar as situações de risco e ter autocontrole.

Para auxiliar nesse domínio, existem as técnicas de relaxamento. Muitas são aprendidas com os médicos, mas grupos de apoio aos portadores também se encarregam de divulgá-las. Na Associação Nacional da Síndrome do Pânico,
em São Paulo, é ensinado um método de respiração profunda e mentalizações
que relaxam. Nesses grupos, encontra-se ainda outro tipo de ajuda. Na Associação Arco-Íris (SP), os pacientes reúnem-se uma vez por semana para falar de seus medos. “Quando vêem outros sofrendo do mesmo problema, eles se identificam e criam força para enfrentar os desafios”, conta a psicanalista Vera Assumpção, fundadora da associação. Mais uma técnica útil é a acupuntura. “Ela ajuda a equilibrar os níveis de serotonina no cérebro”, informa o médico e acupunturista Gabor Fonai, de São Paulo.

A novidade é que praticar exercício físico também parece ajudar no controle. É o que sugere uma pesquisa conduzida na Unifesp, prestes a ser concluída. O trabalho é a tese de doutorado da especialista em educação física Sônia Araújo. O estudo avalia a capacidade do organismo de criar resistência ao lactato, substância produzida nos músculos durante a atividade física. Por motivos não esclarecidos, o aumento dessa substância no sangue de algumas pessoas com propensão à síndrome facilita a manifestação de crises. “A prática gradual de exercícios como natação e caminhada leva o organismo a se habituar ao lactato. Dessa maneira, perde a sensibilidade ao composto, que deixa de ser um gatilho”, diz o psicólogo José Roberto Leite, orientador do trabalho.

Infelizmente, muitos não têm acesso ao tratamento simplesmente porque não
têm diagnóstico correto. Como não há um exame para detectá-lo, ele só é descoberto após uma minuciosa conversa com o médico. “É comum o portador procurar um cardiologista por causa da taquicardia ou quando tem tontura ir a
um otorrinolaringologista. Geralmente, eles demoram para procurar ajuda”,
afirma o psiquiatra Eduardo Tancredi (SP). Estudos recentes, no entanto, mostram que a falta de tratamento pode ter consequências preocupantes. “As descargas repetitivas no cérebro de substâncias durante as crises levam à diminuição de neurônios e da comunicação entre eles. Acredita-se que essa situação dificulte o tratamento de algumas pessoas, que precisariam usar doses maiores de medicação”, explica Rubens Ptiliuk (SP).

Muitos dos que demoram a obter ajuda têm a vida prejudicada e vivem com um desconforto permanente. E não é pouca gente. Uma pesquisa coordenada pela psiquiatra Laura Guerra de Andrade, do HC/SP, com 1,4 mil pessoas, mostrou que 25% dos entrevistados tinham algum grau de pânico, ansiedade e depressão. Em separado ou todos juntos. E sem diagnóstico. É por isso que os especialistas se esforçam para que o transtorno se torne mais conhecido. Uma das maneiras de alcançar pessoas vitimadas pelo problema é promover a conscientização nas empresas. “É preciso discutir mais o assunto nas companhias”, alerta a psicóloga Maria Alice Prado, que dirige o projeto Katavento, de qualidade de vida
nas empresas. Com essas iniciativas, é possível perder o medo de ter medo.