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Cores nacionais

A peça Quartet (foto), do alemão heiner Muller, tem no elenco a francesa isabelle huppert, mas é dirigida pelo americano bob Wilson: bom mix cultural

Um dos maiores centros irradiadores de cultura do mundo, Paris tem uma vida artística tão rica, diversa e agitada que é impossível se programar sem o auxílio de um guia semanal – o mais popular deles chama-se Pariscope, um calhamaço de papel fino que cabe com estilo no bolso traseiro de um jeans. Pois bem: a partir do dia 21 de abril, quando será aberto oficialmente no Rio de Janeiro O Ano da França no Brasil, apelidado informalmente de França.Br 2009, o brasileiro vai precisar de uma versão nacional do Pariscope.

Poderá também imaginar que Paris é aqui, pois até o dia 15 de novembro a organização do gigantesco festival espera que 500 atrações, grande parte vinda da França, aconteçam em diversas capitais do País. Desse número, 300 são exclusivamente culturais. Num cálculo simples, daria mais de um evento diferente por dia durante oito meses.

Na verdade, os comissariados francês e brasileiro (esse é o nome dado aos responsáveis pela programação) aprovaram 645 projetos apresentados por produtores culturais dos dois países. Nesse meio tempo, veio a crise, uma palavra que é a mesma em português e em francês.

Daí a precaução em não frustrar as expectativas. Mas o que está garantido impressiona. Até o final de 2009, O Ano vai apresentar exposições de artistas do porte de Marc Chagall e de Henri Matisse e balés como Blanche-Neige, do coreógrafo Angelin Prejlocaj, um dos mais criativos da dança contemporânea.

Trará também peças como a elogiada montagem de Quartet (foto da capa), baseada em texto de Heiner Muller, estrelada por Isabelle Huppert e dirigida por Bob Wilson. É uma programação para se comemorar com o mais delicioso dos clichês franceses: o champanhe.

Como franceses detestam o lugar-comum, procuraram evitar especialmente aquele que diz respeito a uma cultura de forte tradição. "Vamos apresentar uma França contemporânea, que foge um pouco do clichê do país antigo, com monumentos e clássicos", diz a comissária francesa Anne Louyot.

Assim, em vez de trazer um texto como Bérénice, de Racine, atualmente em cartaz na Comédie-Française (duas conhecidas instituições nacionais), preferiu-se, por exemplo, investir em autores mais recentes, como Bernard Marie Koltès, cujo texto Le retour au désert ganhará montagem itinerante pelos CCBB de Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo. Ou, então, abrir espaço para uma grande variedade de grupos de teatro de rua.

O comissário brasileiro Danilo Santos de Miranda, diretor do Sesc-SP, participou ativamente da escolha dos projetos e confirma essa vontade de comunicação com o público: "O que se verá é uma França que hoje vai do rap à ópera." Segundo Miranda, as despesas estão sendo divididas meio a meio entre o governo e empresas dos dois países, com um orçamento total variando entre R$ 85 milhões e R$ 100 milhões.

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BRANCA DE NEVE O conto de fadas virou balé assinado por Angelin Prejlocaj com figurinos de Jean-Paul Gaultier

De todas as cifras, a de público é a que tem recebido mais atenção. A ideia é bater os 15 milhões de espectadores do Ano do Brasil na França, em 2005. Para tanto, a abertura oficial está a cargo do super-requisitado Groupe F, coletivo que mistura pirotecnia, música e espetáculo de luzes de forma monumental, como ficou provado na abertura da Olimpíada de Atenas, em 2004.

Só para esse espetáculo está previsto um público de 1,5 milhão de pessoas. Nesse sentido, a tentativa de um diálogo entre as duas culturas se reforça. Um dos pontos de contato levado em consideração pelos programadores foi a mistura étnica dos dois países, tendo a cultura africana como denominador comum.

"A França é um país multirracial e como o Brasil tem uma relação forte com a África, embora por razões diferentes", diz Anne. Portanto, não deve ser vista com surpresa a escolha de músicos como o senegalês Yossou N’Dour e o malinês Salif Keita nem a seleção de uma mostra de cinema africano dos países francófonos.

Essa atitude receptiva à contribuição das ex-colônias acaba por ser ela mesma um traço cultural, como ressalta Anne: "Somos um país quase tão miscigenado quanto o Brasil, um lugar de encontro de povos e culturas." E de artistas vindos de todos os cantos do planeta. Basta lembrar a atração que Paris sempre exerceu sobre pintores, escritores e cineastas do mundo inteiro, que produziram na França o melhor de sua obra.

A lista é imensa e engloba nomes como o espanhol Pablo Picasso, o russo Marc Chagall, o franco-suíço Jean-Luc Godard e o irlandês Samuel Beckett, todos contemplados pelo Ano. Um bom exemplo dessa postura cosmopolita é a montagem da peça Quartet: o texto é de um alemão (Heiner Muller) e a direção, de um americano (Bob Wilson), o que coloca em xeque o velho conceito de cultura nacional.

"Faz parte da tradição da França acolher as culturas, misturá-las e enriquecer-se delas. Isso alimenta sua modernidade", diz Anne. "Não foi à toa que foi o país que mais defendeu, com o apoio precioso do Brasil, o tratado da Unesco sobre a diversidade cultural." Essa diversidade é uma das bandeiras do Ano da França no Brasil.

ALGUMAS ATRAÇÕES IMPERDÍVEIS DO FRANÇA.BR 2009
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Mostra Jean- Luc Godard – (27/7 a 1º/8)

Uma seleção de filmes do cineasta francosuíço será exibida no V Semcine, em Salvador. A curadoria é do crítico francês Alain Bergala, autor de Godard au travail. O cineasta foi convidado, mas ainda não confirmou a presença. Poderá participar por videoconferência

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Gainsbourg Im perial (junho)

O compositor francês Serge Gainsbourg será homenageado por artistas brasileiros, como Caetano Veloso e Arnaldo Antunes, e franceses, como Jane Birkin, sua ex-mulher, e Vanessa Paradis, acompanhados da Orquestra Imperial. Os shows serão no Rio de Janeiro e em São Paulo 

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Youssou N’dour (7/9)

O cantor senegalês se apresenta na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, dividindo o palco com Ney Matogrosso, Patrick Bruel, Zazie e Zeca Pagodinho, entre outros. O show se enquadra nos "eventos emblemáticos", marcados pela presença do presidente da França, Nicolas Sarkozy

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Matisse hoje (1º/9 a 1º/10)

Quinze obras do pintor Henri Matisse, entre elas La chambre rouge, do Museu Hermitage, e Odalisque à la cullote rouge, do Museu Orangerie, serão expostas na Pinacoteca do Estado, em São Paulo. Sua influência na produção contemporânea poderá ser comprovada por meio de obras de seis artistas franceses atuais
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Henri Cartier Bresson – fotógrafo (outubro)

Exposição de 133 imagens do fotógrafo Henri Cartier- Bresson no Sesc Pinheiros, em São Paulo. Trata-se da mais completa mostra dedicada ao gênio do fotojornalismo, cobrindo toda a sua carreira e exibindo momentos-chave de sua trajetória, como a libertação de Paris e o Maio de 68. Lançamento do livro homônimo