Os atentados de 11 de setembro de 2001 costumam ser vistos pela maioria das pessoas como uma ação terrorista levada a cabo por uma seita completamente anacrônica, moldada por uma ideologia da chamada Idade das Trevas. Alimentada pela mídia, esta opinião nivelada imagina os militantes da Al-Qaeda como um bando de fanáticos dispostos a fazer o mundo retroceder ao século VIII, quando começou a glória dos seguidores de Maomé. Para o professor britânico John Gray, trata-se de um lugar-comum espantoso e ilusório. Em seu polêmico livro Al-Qaeda e o que significa ser moderno (Record, 174 págs., R$ 24,90), ele tenta demonstrar que, ao contrário, os terroristas islâmicos são um produto típico da globalização e utilizam o fluxo internacional de capitais legais e ilegais, assim como os cartéis das drogas. “Sua característica mais distintiva – planejar uma forma privatizada de violência organizada no mundo inteiro – seria impossível no passado”, afirma o autor. Do mesmo modo, a crença de que um mundo novo pode ser apressado por atos espetaculares de destruição não pode ser encontrada na Idade Média, mas entre os revolucionários anarquistas da Europa do final do século XIX.

Ao mesmo tempo que retira do radicalismo islâmico a moldura de arcaísmo, Gray sustenta que os defensores da jihad (guerra santa) do Islã comungam com correntes modernas do pensamento ocidental – entre elas o marxismo e o neoliberalismo – a idéia de que as sociedades podem ser refeitas por um ato de vontade. O que leva o autor a concluir que os seguidores de Osama Bin Laden têm mais semelhanças com V. I. Lênin (o pai da União Soviética) e F. A. Hayek (o pai do neoliberalismo) do que com as sunas do Corão. “Como os marxistas e os neoliberais, os islamitas radicais estão convencidos de que podem refazer a condição humana. Se há um mito exclusivamente moderno, é esse”, sustenta Gray.

Para o professor da London School of Economics, ao jogar os aviões contra as torres do World Trade Center e do Pentágono, os terroristas da Al-Qaeda destruíram muito mais do que símbolos do poderio americano; eles implodiram o mito dominador do Ocidente, a crença iluminista de que as sociedades que absorvem a ciência e se modernizam estão destinadas a se tornar seculares, esclarecidas e pacíficas. Talvez esse mito prometéico não tenha sido desmantelado, como pretende Gray, assim como persiste o mito que a Al-Qaeda herdou dos anarquistas do século XIX, de que o mundo pode ser mudado por atos espetaculares de terror. Longe de expressar o “choque das civilizações”, essas crenças seriam, para o historiador, uma guerra religiosa entre correntes do pensamento ocidental moderno.