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AFASTADO Cristiano, que disputará uma prova de cross country, tentou, sem sucesso, uma vaga de piloto, no ano passado

 O mineiro Cristiano da Matta rasga uma das retas ao lado da Lagoa da Pampulha, em Belo Horizonte, montado em sua bicicleta Giant de 27 marchas. Chega a atingir a velocidade de 30 km/h, um ótimo índice. Nada comparável, porém, com os de dois anos e meio atrás, quando alcançava fácil os 350 km/h pilotando carros em mundiais de automobilismo. Mas muita coisa mudou desde então e ele só acumulou vitórias, sendo a mais significativa a própria sobrevivência. Em 3 de agosto de 2006 um cervo invadiu a pista do circuito de Elkhart Lake, nos Estados Unidos, quando ele disputava a categoria hoje conhecida como IndyCar, e se chocou contra o bólido que Cristiano pilotava. A partir daí, a rotina de guiar em alta velocidade, que o acompanhava desde sua estreia no automobilismo aos 16 anos e o fez campeão da IndyCar (à época, chamada de Fórmula Mundial), em 2002, foi interrompida. E ele, gradativamente, foi pegando gosto pelas duas rodas.

Hoje, é com o corpo curvado em cima do selim da bicicleta que o piloto de 35 anos sente o vento cortar seu rosto. Para Cristiano, que encarou três cirurgias no cérebro, ficou em coma induzido e viveu no limiar entre a vida e a morte por quase dois meses em um hospital, a sensação é como a de ganhar um troféu. "Ele não conseguia andar em linha reta quando iniciou o tratamento", atesta a fisioterapeuta Mônica Souza. "Estava sem força muscular, tinha déficit de fala e alteração da cognição", afirma a especialista, que junto com a fonoaudióloga Maria Carmen Teixeira tratou do piloto por quase um ano. Mais do que reintegrálo a uma atividade esportiva, o ciclismo se transformou no ganha-pão de Cristiano. Desde o início do ano, ele é funcionário de seus irmãos em uma empresa que fabrica equipamentos para ciclistas. "Pedalar é meu hobby há muito tempo e aprendi a avaliar bem a qualidade de capacetes, luvas, sapatilhas", diz ele. "Sou, então, quase um piloto de testes aqui."

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 "O automobilismo é uma droga fortíssima. Foi complicado aprender a viver sem ela"

 No domingo 5, enquanto acontece a prova de abertura da temporada da IndyCar, nos Estados Unidos, Cristiano estará pedalando na Copa Internacional de Mountain Bike. A competição acontecerá em Araxá, Minas Gerais, e terá duas horas de duração. Dar um novo rumo à vida não foi uma decisão fácil para o piloto mineiro. Pior ainda é ter de conviver com uma espécie de aposentadoria forçada das pistas. "Automobilismo é uma droga fortíssima", reconhece. "Foi complicado aprender a viver sem ela", diz ele, que, dependendo dos resultados na pista, engordava a conta bancária em até US$ 1 milhão ao final de uma temporada.

No final de 2007, cem por cento recuperado e liberado pelos médicos para voltar a pilotar, Cristiano se mudou para Miami. "Ele tinha pressa, porque dizia que queria voltar a dirigir e, depois, pilotar carro de corrida", lembra a fisioterapeuta. Durante o ano passado, frequentou diversas corridas nos Estados Unidos. Nelas, conversava com chefes de equipe e acionava outros contatos em busca de emprego. Seu foco era a categoria endurance, em que as provas são de longa duração, como as 24 Horas de Le Mans. "Eles não têm preconceito contra pilotos mais velhos, como acontece nas Fórmula", explica o mineiro. Havia, no entanto, a possibilidade de um retorno à IndyCar, que foi preterida por Cristiano em uma atitude de prudência. "Eu não quis tentar. Não por medo, mas receio", afirma. "Já dei sorte de conseguir sair numa boa disso uma vez. Não devo ser abusado."

O corpo a corpo rendeu a Cristiano participações em alguns testes e em duas corridas de endurance. "Guiei a 300 km/h, virei no tempo dos campeões, liderei provas", lembra.

"Foi importante para ver que não tinha me transformado em um barbeiro e ainda lembrava como era acelerar um bicho daqueles", conta ele, que por longos dias conviveu com a possibilidade de nunca mais falar, raciocinar ou movimentar-se como antes do acidente. "Quando o vi na cama do hospital, pensei: ‘Já era, acabou.’ Foi um milagre. Hoje, ele é mais normal do que antes", diz o amigo e piloto Tony Kanaan.

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O desempenho de Cristiano animou especialistas em automobilismo e ele próprio, que vislumbrava a possibilidade de uma vaga. A crise econômica, porém, pôs fim ao seu sonho. Cansado de frequentar corridas à procura de uma vaga, no final do ano passado, ele empacotou as coisas em Miami e se mudou com a esposa para Belo Horizonte. Na capital mineira descobriu o prazer de acelerar seu carro diariamente de casa até o escritório da empresa. "Não me pergunte por que, mas estou gostando", afirma. Por outro lado, não esconde a esperança de voltar a respirar a borracha do asfalto dentro de um cockpit. "Sei que tenho mais 15, 20 anos de automobilismo", diz ele, citando um piloto de 53 anos que venceu a corrida de Le Mans, em 2007. "Se a oportunidade aparecer, eu volto a pilotar." Como prova, ele avisa, o macacão está guardado.