O economista Paulo Renato Souza tem uma longa trajetória no setor educacional. Já foi reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), secretário paulista de Educação na gestão Franco Montoro e ministro de Educação entre 1995 e 2002, durante o governo Fernando Henrique Cardoso. No último período, ficou conhecido por implantar o Enem e o Provão, sistemas que avaliam o ensino dos cursos médio e superior, respectivamente.

Em maio de 2003, depois de deixar o governo federal, Paulo Renato decidiu colocar sua indiscutível experiência a serviço da iniciativa privada, abrindo a PRS Consultores, que oferece assessoria estratégica e econômico-financeira para instituições da “indústria do conhecimento”. Dono de um mandato como deputado federal pelo PSDB, conquistado em seu primeiro teste nas urnas, em 2006, Paulo Renato assumirá a Secretaria de Educação de São Paulo no próximo dia 15, a convite do governador José Serra.

Desta vez, porém, sua atuação na iniciativa privativa levanta dúvidas sobre a existência de conflito de interesses com o papel de secretário de Estado. “Existe uma tradição a ser abolida no País que é misturar o público com o privado”, afirma o deputado Rui Falcão, líder do PT na Assembléia Legislativa. “A própria ideia de ‘indústria do conhecimento’ reflete a visão de que a educação é um negócio como outro qualquer.”

Entre os clientes do futuro secretário na PRS Consultores estão o Grupo Santillana – uma empresa de comunicação espanhola que atua em 22 países nas áreas de educação, informação e entretenimento – e a Editora Moderna, que publica livros didáticos e obras de literatura. Fundada nos anos 1960, a Moderna tinha uma participação modesta na venda de livros didáticos para o governo federal até que foi comprada pelo Grupo Santillana, em 2001.

De lá para cá, deixou uma posição que oscilava entre o quinto e o sexto lugares na relação de fornecedores do governo para o ensino fundamental para ocupar, absoluta, a primeira posição. Apenas no ano passado, foram 36,1 milhões de exemplares vendidos, somando um total de R$ 161,5 milhões. Em 2009, a quantidade e os valores negociados foram menores para todas as editoras. Ainda assim, a Moderna continua na liderança, com 18,2 milhões de livros vendidos, por R$ 78,8 milhões.

PROGRAMA FEDERAL Mais de 60 milhões de livros foram entregues em 2009 a alunos do ensino fundamental

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Por meio de sua assessoria, Paulo Renato avisou que não vê conflito de interesses em sua atuação, pois “não faz consultoria para nenhuma empresa que tem negócios com o Estado de São Paulo”. Afirmou ainda que está se afastando formalmente da empresa e transferindo suas ações para seus três filhos. Um deles, Renato Souza Neto, economista como o pai, já é sócio-fundador e diretor da PRS Consultores.

De fato, a consultoria de Paulo Renato não presta assessoria para nenhuma empresa que negocia diretamente com o Estado, visto que, desde 2007, as compras de livros didáticos para São Paulo passaram a ser centralizadas no governo federal, como já ocorria com todas as outras unidades da federação. Trata-se do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e do Programa Nacional do Livro Didático para o ensino médio (PNLEM), por meio dos quais o governo federal adquire e distribui gratuitamente dicionários e livros didáticos de todas as disciplinas para alunos das escolas públicas do Ensino Fundamental e do Ensino Médio.

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SAÍDA FAMILIAR Questionado, Paulo Renato avisou que está transferindo ações da empresa de consultoria para seus três filhos

Ocorre, porém, que na base desses programas estão as escolas, que escolhem as obras em um guia preparado pelo governo federal, a partir da inscrição das editoras. O acesso privilegiado que um secretário de Estado tem à direção de escolas e também às informações que circulam nos bastidores do governo coloca o titular do cargo no centro desse processo de compra. Analisando a questão em tese, sem ser avisado de que se tratava do futuro secretário paulista de Educação, o promotor de Justiça da Cidadania Silvio Marques acredita que pode haver conflito de interesses, embora não haja uma regulamentação específica sobre o assunto.

“O artigo 37 da Constituição diz que todo agente público deve obedecer a cinco princípios: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”, lembra o promotor. “Dois princípios podem estar sendo violados, em tese, caso haja conflito de interesses: a impessoalidade e a moralidade.” Foi com base neste artigo que, no ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu o nepotismo nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário do País.


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