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"Nós não inventamos nada." O dono da frase é um dos maiores pintores de todos os tempos, o espanhol Pablo Picasso (1881– 1973). A sua humildade, que ele generalizou através do “nós” para todos aqueles que exerciam o mesmo ofício de artista plástico, deve-se ao seu encanto quando se deparou em 1940 com as pinturas rupestres nas cavernas de Lascaux, no sudoeste da França. Ao saber que quatro crianças haviam encontrado por acaso, enquanto procuravam um cachorro, uma das mais antigas manifestações artísticas do homem, Picasso foi imediatamente conhecer o local. Ficou maravilhado. Observou cada traço das pinturas que retratam bois, cavalos, cervos, cabras selvagens e felinos. Ele sabia que estava frente a frente com a prova viva de que, há 17 mil anos, outros homens foram grandes artistas. Na verdade, milhares de pessoas contemplaram Lascaux, mas a partir dos anos 1950 especialistas constataram que o gás carbônico originado da respiração dos visitantes estava deteriorando as obras. O governo francês decidiu então interditar o local em 1963 (desde então somente poucos pesquisadores podem entrar nele) e de lá para cá dá-se uma árdua luta: a tentativa de controlar a atmosfera do local e combater os fungos que deixam as pinturas com mofo e escurecidas.

A Unesco acusa a França de não seguir à risca o programa de tratamento e na semana passada deu-lhe o ultimato: “Se em seis meses as pinturas não estiverem livres de fungos, Lascaux vai para o rol dos patrimônios que correm risco de desaparecer.” Como se sabe, nada é mais humilhante para os franceses do que ter um de seus símbolos culturais arrancados da lista de patrimônio da humanidade. Lá, leva-se a sério essas coisas. Lascaux reúne centenas de pinturas e um comitê da Unesco alertou o governo francês sobre a deterioração das pinturas. Tem-se de reconhecer que as autoridades não negligenciaram essa questão, mas o fato é que sujeira e até lascas estão nas obras. Também na última semana, o próprio presidente da França, Nicolas Sarkozy, admitiu o fracasso, e agora teme o vexame (para os franceses é vexame) de ver Lascaux rebaixada. Está-se testando um novo fungicida, o que deveria ter sido feito bem antes. Para emparedar ainda mais o governo, um grupo independente de arqueólogos e historiadores contabilizou o estrago e tornou público que pelo menos 50% das imagens apresentam algum tipo de contaminação.

i51969.jpgChan Chan, Peru
Cidade perfeitamente planejada no século XIV, erigida em barro. Chan Chan foi a capital do Reino de Chimu, um dos mais poderosos da América do Sul, embora menos famoso que o Reino Inca. Um dos mais importantes sítios arqueológicos, Chan Chan está desmoronando.

i51970.jpgGalápagos, Equador
Em pleno oceano Pacífico, na costa do Equador, 58 ilhas, das quais apenas quatro são habitadas, abrigam espécies da fauna e flora que não existem em nenhum outro lugar do mundo. Os turismos marítimos estão destruindo esse paraíso natural.

i51971.jpgVale do Rio Elba, Alemanha
Ao redor da cidade de Dresden, o rio Elba corta em 20 quilômetros a paisagem que ostenta exuberantes prados, palacetes e majestosos palácios do século XVIII. A polêmica gira em torno de uma moderna ponte que poderá modificar esse cenário histórico.

As mais recentes tentativas para preservar Lascaux (houve outras e nenhuma delas surtiu plena eficácia) começaram há sete anos. Um sistema de ar-condicionado foi instalado no local porque se pensou que, com isso, as coisas iriam melhorar. O fato é que pioraram. Na verdade, o ar-condicionado foi instalado porque outros especialistas jogaram no aquecimento global a culpa pelos fungos. Há, ainda, restauradores que apontam a atual atividade humana nas cavernas, ainda que mínima, como sendo foco da danificação: as raras pessoas que a freqüentam com autorização especial o fazem para registrar as pinturas digitalmente em três dimensões. Autoridades do patrimônio cultural decidiram agora dar um basta. Foi anunciado que até essa digitalização será proibida. Em nota oficial, o governo declarou: “Está sob controle, não houve danos graves.” Pode ou não ser apenas palavras. Mas o certo é que, desta vez, a palavra final estará com a Unesco.

PERDA DE STATUS
Três relíquias históricas que deixaram de ser patrimônio cultural por falta de preservação