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PASSADO MORTO Castelo Branco, o primeiro general no poder, e Costa e Silva, seu sucessor, nos tempos do arbítrio militar

Passaram-se exatos 45 anos. Entre a noite de 31 de março e a manhã de 1º de abril de 1964, os militares derrubaram um presidente legitimamente eleito e tomaram o poder. E mandaram no Brasil por 25 anos. Os civis só retomaram os cordões dos destinos nacionais após a volta da eleição direta para presidente em 1989. Saudosistas da linha dura ainda tentam comemorar o golpe encomendando missas e promovendo reuniões no Clube Militar. Mas é pura provocação. Gastam energia à toa: o maior legado dessa página sombria da P história é que a palavra golpe deixou de frequentar o vocabulário político do País. Hoje, a democracia é um valor cristalizado e inquestionável.

Não faltam motivos, sem dúvida, para celebrar a consolidação da democracia e o enterro do arbítrio. Mas nem tudo são flores. Alguns esqueletos da ditadura militar continuam a circular por aí. Um deles é a Lei de Imprensa, que impõe limitações ao trabalho dos meios de comunicação. Só agora o Supremo Tribunal Federal começou a enterrar este resquício dos anos de chumbo. Em vo tação iniciada nesta semana, os ministros do STF concordaram que a liberdade de imprensa não tem meio-termo.

Nesses tempos de liberdade, uma outra ameaça está no ar. Observa-se a volta sorrateira do Estado policialesco, que invade a privacidade das pessoas. As ações da Polícia Federal são bemvindas quando coíbem o mau uso do dinheiro público. Mas nada justifica o grampo indiscriminado e os pedidos de prisão preventiva por mero preconceito ou perseguição política. Durante a ditadura, atropelavam-se as garantias individuais. Agora, o Estado, pela ação de seus agentes, faz com que todos os cidadãos, mesmo os que nada devem, sintam-se frágeis diante dos abusos do aparato policial. Esse também é um cadáver insepulto.

No polo oposto, cabe comemorar a prevalência do Estado de Direito e do império da lei. Sempre que alguém se sente prejudicado, mesmo em relação aos abusos do Estado, está aberto e facilitado o caminho para recorrer à Justiça. Contudo, ainda há distorções. Há assassinos à solta, aguardando que as ações sejam julgadas até a última instância. Em fevereiro, o STF mandou libertar presos condenados por crimes graves que ainda têm o direito de recorrer da sentença. Enquanto isso, autores de pequenos delitos mofam nas cadeias.

Vale comemorar também a plenitude dos direitos políticos. Mas, como contraponto, se poderia rezar uma missa pelo péssimo momento que vive a classe política. O pouco caso em relação ao destino da Nação é de estarrecer. Em vez de servir à República, o que importa é se servir da coisa pública. Com mais de dez mil funcionários e 180 diretores, o Senado esbanja o dinheiro do contribuinte sem nenhum pudor. Na Câmara, os desvios também são a norma. Os deputados enriquecem da noite para o dia e não abrem mão das benesses regimentais: quotas de passagens, auxílio- moradia, verba indenizatória, etc. Mesmo diante de denúncias, a cumplicidade fala mais alto. Cada um dos 513 deputados federais custa aos cofres públicos R$ 120 mil. E esse número vai aumentar, pois o Senado acaba de aprovar projeto que cria mais sete vagas, para representantes de brasileiros que vivem no Exterior.

"É ruim para a democracia o processo de autodesmoralização do Congresso", afirma David Fleischer, cientista político da Universidade de Brasília. Há quem vá mais longe e afirme que a classe política, com seus desatinos, põe a democracia em risco. O que não faz sentido. A democracia veio para ficar. E a ditadura militar ficou para trás, no século XX. O importante é não deixar nenhum cadáver insepulto. Quanto aos políticos, se não estão à altura da missão que lhes foi delegada, que não sejam reeleitos. Os idos de 1964 deixaram uma lição histórica: o melhor remédio para separar o joio do trigo é o voto. Quem faz justiça é o eleitor.

E o dinheiro de Jânio?

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A democracia brasileira começou a ruir no dia em que o presidente Jânio Quadros renunciou. Jânio atribuiu sua queda, em 25 de agosto de 1961, a "forças ocultas", sem jamais identificálas. Por muitos anos, afirmou-se que ele renunciou num acesso de loucura. O ex-presidente teria um comportamento paranoico. Agora, porém, essa versão caiu por terra. Maluco é quem rasga dinheiro, mas Jânio não só cuidava do seu patrimônio como aplicava parte dele no Exterior.

Ao interceptar e-mails na Operação Castelo de Areia, a PF descobriu que Jânio Quadros Neto rastreou as aplicações do ex-presidente e pediu ajuda ao doleiro Kurt Pickel: "Meu avô tinha conta no Citibank da Suíça. A conta foi fechada e o dinheiro foi transferido para uma nova conta." Pickel relatou a um advogado suíço: "São fundos provavelmente substanciais, excedendo 20 mil (segundo a PF, 20 milhões) do senhor Jânio da Silva Quadros." E mais: "O finado Jânio Quadros era um homem astuto, inteligente e, sem dúvida, escondeu bem os fundos que tinha no Exterior."

Jânio Neto nega tudo. Mas se conta no mercado financeiro que o ex-ministro Delfim Netto costumava dar a seguinte orientação a quem pretendia contribuir para as campanhas de Jânio: "Não dê dinheiro a ele. Contribua com material de campanha, faixas e santinhos." Delfim suspeitava que Jânio embolsava as contribuições financeiras. Pelo visto, estava certo.