O cenário não poderia ser mais adequado. Diante da Coluna da Vitória, próximo ao Reichstag, o Parlamento alemão, e à linha que outrora abrigava o Muro de Berlim, o candidato democrata à Presidência dos Estados Unidos, Barack Obama, fez na Europa o maior comício de sua campanha. Segundo a polícia, 200 mil pessoas foram ouvi-lo no Parque Tiergarten, quase o triplo do que ele havia conseguido atrair em Portland durante as primárias. Havia telões, palco para show, luzes especiais, gruas para as câmeras – enfim, tudo a que um pop star tem direito. E Obama respondeu à audiência com o que sabe fazer de melhor: o discurso certo para o público da vez.

“O maior de todos os perigos é permitir que nos dividam”, disse. “O muro entre antigos aliados nos dois lados do Atlântico não pode continuar. Os muros entre raças e tribos, nativos e imigrantes, cristãos, muçulmanos e judeus não podem continuar. Esses são os muros que devemos derrubar.” O discurso do Tiergarten foi saudado como histórico.

Era inevitável a lembrança de Ronald Reagan em 1987, pedindo no Portão de Brandemburgo: “Senhor Gorbatchóv, derrube esse muro”. O Muro de Berlim caiu dois anos e três meses depois. Obama está a um passo de se tornar presidente do maior e mais poderoso país do planeta, mas, onde existe um muro no mundo de hoje, os Estados Unidos estão de um lado bem determinado – quando não ajudando a erguê-lo.

Se vencer a disputa americana, Obama terá agora suas palavras cobradas por palestinos cerceados em Jerusalém, latinos emparedados na fronteira mexicana e muçulmanos trancafiados em Guantánamo sem o devido amparo legal. Diferentemente de artistas, os políticos que se pretendem estadistas precisam dar conseqüência prática a seus discursos. Caso contrário, ou viram demagogos vulgares ou deixam na platéia a sensação de que o show era apenas uma curtição barata de verão.

LUCIANO SUASSUNA,
DIRETOR EDITORIAL ADJUNTO