O trio elétrico do candidato da situação, Cláudio Vaz, ocupou mais espaço e fez mais barulho na frente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), na avenida Paulista, durante a eleição da entidade na quarta-feira 25. O jingle de Vaz, tocado à exaustão em volume estúpido, abafava a esforçada banda marcial contratada pelo candidato Paulo Skaf, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit). A guerra dos decibéis foi ganha com facilidade por Vaz. Na batalha das urnas, Skaf se tornou o primeiro oposicionista a vencer o pleito desde 1980. Num lance calculado para causar impacto, ele literalmente tomou posse da entidade ao chegar para votar acompanhado de 70 industriais-eleitores.

No final de setembro, Skaf assume a cadeira ocupada por Horácio Lafer Piva durante os seis últimos anos. Piva diz que ainda não sabe o que vai fazer da vida quando entregar o comando da mais influente entidade patronal do País, mas dá uma pista. “Tenho uma empresa grande, familiar, nas costas”, diz, referindo-se à Klabin, um gigante do setor de papel e celulose. Seu candidato venceu um pleito paralelo e se tornou presidente do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp). A lisura dessa eleição, na qual tinham direito a voto 7,6 mil empresários paulistas, foi a princípio contestada pelo grupo de Skaf. Se Vaz confirmar sua vitória, pela primeira vez na história não haverá acúmulo dos dois cargos na mão do mesmo industrial. O racha vai exigir um esforço político dos adversários, já que, além do mesmo endereço, Fiesp e Ciesp dividem estruturas, despesas e funcionários.

A eleição mais acirrada da história da Fiesp terminou, na prática, minutos depois de começar. Passava pouco das nove da manhã quando o grupo de Skaf chegou à sede após uma caminhada de 300 metros, iniciada num hotel da paralela alameda Santos. Cada um carregava uma placa de identificação, para que não restassem dúvidas de que faziam parte do diminuto colégio eleitoral da federação – 122 pessoas no total, representantes dos sindicatos setoriais. Nas últimas semanas, os candidatos apresentaram diferentes listas de apoio que lhes davam a vitória, embora a conta nunca fechasse se os dois levantamentos fossem comparados. O grupo de engravatados, que se concentrara em um hotel das proximidades, ironicamente foi recebido nas escadarias da Fiesp por Vaz. Depois da chegada triunfal, Skaf não escondia a certeza da vitória. “Eu não estou otimista, estou realista”, dizia. Às seis da tarde, quando a apuração feita a viva voz no auditório lotado do Teatro Popular do Sesi contou o voto de número 62 para a Chapa 1, a vitória estava consolidada. O placar final foi 70 a 52.

Legitimidade – A disputa ferrenha provocou um fenômeno incomum: nenhum delegado com direito a voto deixou de comparecer à votação, assim como nenhum voto em branco ou nulo foi registrado. “Tudo o que é mais disputado é mais legítimo”, disse o vencedor. “A campanha foi excessivamente acirrada e ganhou uma dimensão maior do que deveria. O lado positivo disso é o interesse despertado”, afirmou Piva, antes de conhecer o resultado. O candidato Vaz chegou a ir à polícia, na reta final da campanha, quando insinuações de que ele estaria sendo investigado pela CPI do Banestado por lavagem de dinheiro circularam por e-mail. Derrotado, ele reconheceu a vitória – “a urna é soberana” –, mas prometeu não esquecer as ofensas. “Eu não vou jogar minha honra embaixo do tapete.”

Apesar da tensão, o longo dia das eleições foi tranquilo. Os dois candidatos circularam livres pela apertada zona eleitoral, no 15º andar do prédio da federação. Cumprimentaram-se pelo menos três vezes em frente às câmeras. Numa delas, o presidente Piva fez esforço para furar a barreira de fotógrafos e se colocar entre os candidatos. Os ânimos só se exaltaram à noite, quando saiu o resultado parcial da eleição do Ciesp que dava a vitória a Vaz. O bate-boca entre os correligionários foi abafado, mas a disputa pelo comando da entidade perdurou.

O trabalho de apuração dos votos, que chegaram de diversos pontos do Estado, foi suspenso na noite da quarta-feira 25 e não havia sido retomado no dia seguinte. O resultado parcial (2.235 a 1.816) foi suficiente para a chapa de Vaz comemorar a vitória, já que a quantidade de votos restantes não seria suficiente para alterar o quadro. Mesmo assim, o grupo de Skaf mantinha as esperanças de conquistar o Ciesp até a noite da quinta-feira 26. “As eleições ainda não se encerraram”, disse o primeiro vice-presidente da chapa de Skaf, Alexandre Serpa. Em documento encaminhado à comissão eleitoral, que é independente, o grupo de empresários pede que sejam verificadas as credenciais dos votantes. “A comissão é soberana, mas queremos nos certificar de que houve lisura no pleito”, afirmou Serpa, que é empresário do ramo da construção civil. A briga deve prosseguir durante a semana.

Paulo Skaf, 49 anos, empresário desde os 18, chega à Fiesp respaldado extra-oficialmente pelo governo Lula, a quem apoiou na campanha de 2002. Curiosamente, foi da Fiesp que saiu um dos torpedos que acabaram minando a candidatura do atual presidente da República contra Fernando Collor, em 1989: Mário Amato, o então presidente da entidade, disse que 800 mil empresários deixariam o País se Lula fosse eleito. Quatro eleições depois, ele não só é o presidente da República como é bem quisto pela nova diretoria da Fiesp. E mais: Amato apoiou Vaz, portanto hoje pode ser considerado de oposição na política interna de uma entidade que sorri a Lula. Sobre o racha, ele se limitou a dizer que a indústria sai enfraquecida se não houver um acordo entre os dois grupos.

Skaf conseguiu aglutinar pesos pesados do setor têxtil – seu campo de atuação – em torno de sua candidatura. O vice-presidente José Alencar (dono da Coteminas) é seu amigo pessoal e o empresário Benjamin Steinbruch (hoje atuante em vários ramos, mas com origem no setor têxtil) é um de seus vices. “Vamos ter uma Fiesp mais propositiva, mais forte”, prometeu Steinbruch, minutos após anunciado o resultado. O senador petista Aloizio Mercadante não escondeu a satisfação com o resultado. “A vitória de Skaf vai contribuir para que a Fiesp tenha grande presença no debate nacional”, disse, em Brasília, ao saber do resultado das eleições. Alencar afirmou que a Fiesp está “muito bem entregue nas mãos de Skaf”.

A Fiesp é a entidade máxima da indústria paulista. Seu orçamento anual supera os R$ 700 milhões, recolhidos das mais de 100 mil empresas manufatureiras instaladas em solo bandeirante. Abaixo dela, há uma complexa rede de instituições mantidas com a contribuição sindical obrigatória paga pelas empresas, como o Serviço Social da Indústria (Sesi) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). O Ciesp é mantido por contribuições espontâneas das companhias associadas. Tem sede em várias cidades do Estado e fornece apoio técnico e político ao empresariado, especialmente o de pequeno e médio porte. Agora, quem diria, é motivo de briga.