i52064.jpgAlvo de muita polêmica e com a construção suspensa desde 1986, a usina nuclear de Angra III finalmente deverá sair do papel. Durante a semana, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) concedeu licença ambiental prévia para a construção da usina, que se transformou em um dos projetos prioritários do PAC depois da constatação do governo de que o País, às voltas com ameaças de novos apagões, precisa ampliar urgentemente sua matriz energética. A licença ambiental prévia é o primeiro passo para a retomada das obras. A próxima etapa é a obtenção da licença de instalação. Para cumprir o cronograma estabelecido pelo governo – a idéia é que as obras sejam reiniciadas em setembro -, a estatal Eletronuclear terá de cumprir 60 exigências feitas pelo Ibama. A principal delas: a construção de um depósito seguro e definitivo para armazenar o lixo atômico produzido nas usinas brasileiras até 2014, ano previsto para a entrada em operação de Angra III.

A determinação acirra o debate já que não há atualmente no mundo uma tecnologia de excelência para tratamento do lixo atômico. A solução encontrada hoje para os rejeitos atômicos de Angra I e II é considerada precária. Os resíduos são colocados em piscinas resfriadas a cerca de 100 metros do litoral fluminense. "Temos de procurar locais seguros e lacrados, o que não pode é ficar do jeito que está", alerta o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc. Para especialistas do setor, o pré-requisito extrapola a competência do Ibama. "Se os ambientalistas chamam de solução definitiva o desaparecimento dos rejeitos, isso não existe", explica o presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear, Francisco Rondinelli. "Mas já existem soluções para confinar os rejeitos de forma segura", acrescenta. Para o Greenpeace, que é contra a construção da usina, a exigência de projeto para disposição final dos rejeitos radioativos entre as condicionantes não será cumprida. "A gente sabe que isso não vai ser resolvido, porque simplesmente não há uma solução para os resíduos no País", reclama o diretor do Greenpeace, Ricardo Baitelo. A própria Eletronuclear ainda não tem um discurso afinado sobre o prazo estipulado para a definição dos rejeitos nucleares. Para o assistente da presidência da estatal, Leonan Guimarães, o prazo é exíguo e pode comprometer o início das obras. Outros diretores crêem que a exigência não será obstáculo. A despeito da polêmica, a expectativa no Planalto é de que a licença de instalação saia até o final de agosto.

Angra III terá capacidade para produzir 1,350 mil megawatts e serão necessários investimentos adicionais de R$ 7,3 bilhões para concluir a usina – já foi gasto R$ R$1,5 bilhão. Parte dos equipamentos da usina foi adquirida em 1999, ao custo de US$ 750 milhões.

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A construtora Andrade Gutierrez vai ser a responsável por tocar o empreendimento. Angra I e Angra II têm capacidade para produzir 2.007 MW e respondem por 1,9% da matriz energética brasileira. Considerada cara e arriscada há menos de uma década, a retomada do investimento em energia nuclear já é tratada como política de governo em pelo menos 16 países, apoiada por renomados ambientalistas, a partir do argumento de que ela é uma energia limpa. A França, que tem 77% de sua matriz energética oriunda da energia atômica, já proclama que viveremos um "renascimento nuclear".

Angra III se transformou numa peça importante do programa nuclear nacional. Ela integra planos para o País dominar a tecnologia nuclear, dos quais fazem parte a auto-suficiência no enriquecimento de urânio – minério do qual o Brasil detém uma das maiores reservas do mundo – e a construção de um submarino de propulsão nuclear. O presidente Lula discute a retomada de Angra III desde 2003. Apesar da resistência inicial da então ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, hoje titular da Casa Civil, houve um reconhecimento de que outras fontes alternativas de energia estariam com preços semelhantes ou superiores ao da nuclear. Pesou também a necessidade de o País ampliar sua matriz energética diante de um cenário não muito animador no setor, abalado pela disparada dos preços do petróleo.

Os verdes (alguns) se curvam à realidade
O pragmatismo do ministro Carlos Minc ao anunciar a liberação de Angra III pelo Ibama é uma prova de que os tempos em que a energia nuclear era tabu ficaram para trás também no Brasil. Ao menos para mentes esclarecidas. Embora se mantendo fiel aos seus princípios "verdes" – ele disse que as exigências do Ibama para a liberação seriam "brutais" -, Minc lembrou que o governo já tinha "batido o martelo" na questão. A oposição sistemática à energia nuclear ficou restrita a ONGs fundamentalistas, cuja mentalidade estacionou na Guerra Fria, como o Greenpeace. As objeções dos verdes ao uso pacífico da energia nuclear se revelam cada vez mais quixotescas, principalmente quando se sabe que essa matriz energética, mais limpa, virou opção ao aquecimento global. As usinas nucleares estão mais seguras depois da tragédia de Chernobyl – aliás, houve apenas dois acidentes nucleares em 50 anos de operações. Hoje, em 31 países, há 439 usinas nucleares. Países como a Itália, que vetaram o uso da energia nuclear, começam a rever sua decisão.
CLÁUDIO CAMARGO