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Depois de uma separação traumática, a produtora musical Majô Pinheiro, 50 anos, atravessava um momento emocional delicado. Um dia, de dentro do restaurante onde almoçava, viu uma mulher esbarrar no pára-choque de seu carro, estacionado na porta do estabelecimento. A cena a fez abandonar a mesa para tirar satisfação. “Ela nem deu bola”, conta. Bastou essa atitude de desdém para começar uma perseguição com cara de filme hollywoodiano, que só acabou quando Majô conseguiu encurralar a outra motorista numa rua estreita e afundar a traseira de seu veículo na lateral do outro. Não foi a única vez em que ela deu vexame no trânsito: já chegou a esvaziar os quatro pneus do carro de um incauto, que bloqueava a saída de sua casa. “Na hora, batia a ira. Mas, hoje, não quero mais colocar meu coração à prova de nada”, garante. Para deixar o passado de fúria lá atrás, Majô se empenhou em resolver as questões pessoais que estavam gerando stress, procurou terapia e mantém em mente que precisa investir no autocontrole todos os dias.

i51711.jpgMas qual é, afinal, a origem da fúria no trânsito? Para a psiquiatra Maria Christina Lahr, a ausência de controle sobre a raiva e a frustração ao volante podem ser sintomas de problemas mais sérios. A médica é uma das responsáveis pelo Ambulatório de Transtornos do Impulso do Hospital das Clínicas de São Paulo, que abriu inscrições na semana passada para o tratamento de Transtorno Explosivo Intermitente – TEI. As 180 vagas oferecidas se esgotaram em poucas horas. “Em incidentes como uma fechada no trânsito, por exemplo, quem sofre de TEI reage imediatamente e de forma violenta”, explica a especialista. Depois da explosão, é freqüente a pessoa ter crises de choro, sentir vergonha e culpa. Com o tempo, ela tende a se isolar e pode atravessar dificuldades como perda do emprego ou separação por causa da doença.

 

i51712.jpgEsse tipo de transtorno não é novo, mas nunca houve tantos estímulos – comportamentais e ambientais – para que ele se manifestasse. “Viver na cidade grande é muito cruel”, diz Maria Christina. O carro se tornou um instrumento para aliviar a fúria. O motorista se sente socialmente protegido pelo anonimato dentro dele e a fiscalização é insuficiente para coibir os mais exaltados. Como as explosões estão fortemente associadas a um comportamento aprendido por imitação, o aumento de reações excessivas nas ruas leva o motorista a considerá-las normais, ou, pelo menos, justificáveis. O psiquiatra Julio César Fontana Rosa, da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego, lembra de um fator cultural muito forte no Brasil. “Aqui o comportamento do motorista é encarado pelos outros como uma questão pessoal. Não se buzina para sinalizar algo, e sim para repreender outro

Com o caos agravado por uma frota de mais de 45 milhões de veículos nas cidades brasileiras, de acordo com o último levantamento do Denatran (2006), poucos conseguem manter a cabeça relaxada o tempo todo. “No trânsito, existem pessoas que sofrem de transtorno de impulso ao lado de gente que só está tendo um dia ruim”, diz Fontana. Como não dá para saber qual é o caso de quem está no comando do volante mais próximo, o psiquiatra recomenda cautela. “O importante é não provocar. Tem gente de mal com a vida, alguns com problemas de caráter e outros com dificuldade de controlar seus impulsos.”

Que o diga o fotógrafo Caio Kenji Pateyama, 22 anos. Numa sexta-feira à noite, ele estava preso em um congestionamento em São Paulo quando um motorista emparelhou o carro e passou a insultá-lo. “Ele parecia alterado. Quando acelerei para sair, me fechou”, lembra. O homem então desceu do veículo e agrediu Caio. Quando percebeu que tinha virado o centro das atenções na avenida, fugiu, deixando o jovem com o supercílio aberto e o rosto cheio de hematomas. Em situações-limite como a que Pateyama enfrentou, a psicóloga Cecília Bellina, que trabalha com traumas de trânsito há 30 anos, acredita que a melhor coisa a fazer é procurar um lugar seguro, como um posto de gasolina, e parar o carro. Além de, claro, tentar manter a calma: “Seu comportamento pode ser um espelho para o outro”, ensina.

Especialistas dão pistas de como detectar quando a irritação no trânsito está saindo do controle

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