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LeonardoAttuch

attuch@istoe.com.br

O Fausto, do alemão Goethe, vivia atormentado por seu pacto com o demônio. Nosso Fausto, o De Sanctis, da 6ª Vara Criminal de São Paulo, é também um homem atormentado, mas pelos fantasmas da alma. Na semana passada, ele ordenou dez prisões cautelares. Ao justificar a decisão, que colocou na cadeia quatro funcionários e duas secretárias da Camargo Corrêa, o juiz citou o austríaco Josef Fritzl, que trancou a filha 24 anos num porão e que também foi preso preventivamente. Portanto, se os europeus, civilizados, prendem seus réus antes das sentenças de última instância, por que nós não deveríamos imitá-los? Afora a distância que separa duas secretárias de um psicopata, o juiz fez ainda um desabafo no seu despacho. Disse que suas palavras são necessárias "num país em que o medo tomou conta de tudo e de todos" e "onde as pessoas se envergonham de serem honestas".

Maria Isabel Prado, da 2ª Vara Federal de Guarulhos, também tem alma de justiceira. Condenou Eliana Tranchesi, dona da butique Daslu e ré primária, a 95 anos de prisão. O traficante Fernandinho Beira-Mar pegou 29. Elias Maluco, que queimou o jornalista Tim Lopes antes de matá-lo, ganhou uma pena de 28. Marcola, chefe do PCC, cumpre 39. Mas na visão da juíza, Eliana Tranchesi, que faz quimioterapia contra um câncer pulmonar, representa um perigo social ainda maior.

Os dois juízes são parte de um mesmo fenômeno: aquele que transforma o direito penal num mecanismo de revanche social. Na sentença da Operação Castelo de Areia, Fausto De Sanctis revela sua visão de mundo – "prender é equiparar, igualar". Mas o despacho, repleto das expressões "em tese", "eventual" e "suposto", quase nada prova sobre os crimes dos réus – que talvez até existam, em se tratando de uma empreiteira. Maria Isabel Prado, por sua vez, define a dona da Daslu como uma "delinquente contumaz", mas desrespeita a súmula do Supremo Tribunal Federal que proíbe prisões antes do trânsito em julgado.

Ações demagógicas em primeira instância pouco contribuem para dar fim à impunidade. Fausto De Sanctis ganhou notoriedade ao condenar Daniel Dantas a dez anos de prisão por suborno, num caso que tem cheiro de extorsão. O mesmo De Sanctis prendeu o investidor Naji Nahas, acusando-o da proeza de receber informações privilegiadas do banco central americano. Sentenças inconsistentes podem até criar heróis temporários, mas enfraquecem o Judiciário. Magistrados, além de equilíbrio, maturidade e devoção à Justiça, devem também ter senso de medida. Caso contrário, poderão ser chamados de tudo, menos de juízes.