Em 1996, três neurocientistas da Universidade de Parma, após anos de pesquisas com macacos, descobriram um grupo de células na parte frontal do cérebro do símio que entrava em funcionamento cada vez que o macaco executava um movimento ou via alguém executar alguma ação. Denominaram aquele agrupamento de células de neurônios-espelho e a descoberta foi saudada pela comunidade científica. As pesquisas não pararam e, anos mais tarde, descobriu-se que os humanos têm circuitos muito mais sofisticados de neurônios-espelho
e os nossos, aparentemente, são encontrados em todas as partes do cérebro, o que explicaria o resultado na evolução das relações sociais na espécie, como a linguagem e seus intricados sistemas gramaticais.

Ando à cata dos tais neurônios-espelho, tal qual uma criança que aprendeu uma palavra nova e quer usá-la em todas as ocasiões. São eles os responsáveis pelos braços daquela bailarina que copiou os da mestra na cinzenta sala de ensaio, porque, quando os tais neurônios iluminam-se na massa cinzenta, eles permitem que nos coloquemos no lugar do outro e realmente sintamos a dor ou alegria alheias, além do entendimento conceitual. São os neurônios-espelho que nos emocionam na plateia do teatro e também são eles os responsáveis pela gargalhada que cresce numa espiral na direção do urdimento, porque mimetizam a dor, a alegria e a surpresa das personagens. São eles, enfim, que fazem os bebês imitar as expressões faciais dos adultos e, agora, acaba de me ocorrer que os santos, aqueles que são lembrados por sua piedade, devem fazer uso integral de seus neurônios-espelho. Compaixão não é coisa que se adquira sem a capacidade de viver, por um momento que seja, a vida do outro.

O mais importante nessa descoberta, entretanto, foi que a existência dos neurônios-espelho – que, em última análise, e numa hipotética projeção futura, seriam capazes de ler mentes, já que nos possibilitam ter um absoluto entendimento emocional do outro – associa
a cultura à biologia definitivamente e nos torna cada vez mais responsáveis pelas atitudes e pelo conteúdo que vamos refletir nos bilhões de pequenos espelhos nos circuitos internos das novas gerações.

Ando, por isso, também revisitando meus espelhos, resgatando imagens e gestos que ficaram aprisionados ali. Imagino que todos eles devem ter se acendido em festa ao ver Bibi Ferreira em “Hello Dolly”, quando eu tinha meus 8 anos. Tamanho foi o júbilo daquele grupo de células que nunca mais deixei de repetir a cena. Mamãe está sempre com um livro na mão e agradeço a ela pela imagem. Papai gravou na superfície de cada um deles o modo divertido de olhar a vida e me ofereceu, descubro tarde demais, todos os gestos e enunciados de humor que repito vida afora.

É bom revisitar aquilo que ficou gravado. Os espelhos com o passar dos anos tendem a perder o brilho e ficam sem a nitidez de outrora. Resgatá-los é uma tarefa mais agradável do que se supõe. É como recuperar os dados do nosso sofisticado disco rígido e afinal entender
a importância daquilo que biologicamente deixamos como a herança de um povo.

Miguel Falabella é ator, diretor, dramaturgo e autor de novelas

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