Eles acenam das janelas de casinhas ou de modernos aviões. Fogem assustados de ameaças indizíveis ou simplesmente do tédio. Vivem buscando segurança ou apenas algo que fazer. Vêm e vão, chegam e partem. Passam, nunca param, exceto para planejar o próximo passo. Peregrina ou desterrada, a humanidade padece deste delírio ambulante desde que o Jardim do Éden foi rebatizado como mundo. Essa idéia permeava o espetáculo Tourists & refugees, apresentado pelo grupo americano Open Theatre, estrondoso sucesso nos anos 1980. Entre os entusiastas da peça estava o ator Carlos Moreno. Este ano, em que se despede do papel de garoto-propaganda da Bombril, lembrou-se do espetáculo e pensou em remontá-lo. Ao constatar que o texto era datado, entrou em contato com o grupo e descobriu que, além de desfeito há anos, seus remanescentes incentivavam novas leituras. Assim nasceu Turistas e refugiados, em cartaz no Tucarena, em São Paulo, explosão de criatividade dirigida por Renata Melo, com texto final dela própria em parceria com a dramaturga Marta Góes.

Para compor o painel de inconstâncias suscitado pela peça, Renata e Marta se valeram das experiências pessoais dos componentes do elenco, formado por Moreno, Cláudia Missura, Fábio Herford, Gabriela Flores, Patrícia Gaspar, Ravel Cabral e Roberto Alencar. A partir da cena de abertura, em que Adão e Eva (Alencar e Gabriela) surgem nus no momento da expulsão do paraíso, o ritmo da peça passa a ser ditado pela agilidade na mudança dos objetos cenográficos e nas trocas de figurino. Auxiliado pelo design de luz desenvolvido por Michele Matalon e Carlos Moraes, o cenógrafo e figurinista Fábio Namatame criou cerca de 15 portas/janelas, algumas delas móveis, além de roupas intercambiáveis. Ao som dos temas musicais criados por Marcelo Pellegrini, os sete atores se transformam continuamente. De socialites vazios a migrantes esfomeados, para ficar num exemplo. Assim, depois de gargalhar com Moreno perdido em fantasias sexuais num terminal aeroviário ou delirar com Herford vivendo um mateiro que nunca sabe o caminho certo, a platéia pode se sentir desconfortável diante da miséria e o abandono de um albergue para mendigos. Segundo a diretora, a montagem original foi feita em palcos tradicionais e as cenas literalmente passavam de coxia para coxia, como em um filme. A atual versão, realizada em um anfiteatro, proporciona um maior envolvimento. Como a própria vida.