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Desta vez, não houve surpresa. Após pouco menos de três horas de reunião, na quarta-feira 23, o Comitê de Política Monetária do Banco Central deu mais uma volta no torniquete das taxas de juros e aumentou a Selic de 12,25% para 13% ao ano, em decisão unânime. Com isso, o Brasil continua a ocupar com folga o primeiro lugar no ranking mundial de juros reais. Descontada a inflação, a taxa real subiu para 7,2% ao ano, à frente dos 5,7% da Austrália e dos 5,3% da Turquia. Todos os analistas previam um novo ajuste com o objetivo de quebrar as expectativas inflacionárias, mas alguns consideraram excessiva a dose de 0,75 ponto percentual, a maior desde fevereiro de 2003. O mais correto, segundo eles, seria continuar na escalada paulatina de 0,5 ponto percentual.

Certamente, não deram a devida atenção às palavras do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, nos dias que antecederam a reunião do Copom. "Os formadores de opinião e os formadores de preços não devem ter dúvida quanto à disposição da autoridade monetária de tomar decisões visando a promover a convergência da inflação ao centro da meta em 2009", afirmou Meirelles, em São Paulo. Portanto, o Copom não fez mais do que confirmar o que Meirelles antecipou em pronunciamento no Senado na semana passada: o Banco Central está decidido a agir "vigorosamente" no combate à inflação, por mais amargos que sejam os efeitos do arrocho monetário. O País que aperte os cintos e se prepare para a freada de arrumação da economia.

Quem acertou na mosca a decisão do Copom foi o economista Octávio de Barros, diretor do Departamento de Estudos Econômicos do Bradesco. Em junho, ele fez a previsão de um ajuste de 0,75 ponto percentual – por sinal, divulgada na edição de ISTOÉ, do dia 2 de julho. Ele está convencido de que "o Banco Central adotou uma postura de tolerância zero em relação à inflação no ano que vem". O objetivo da dosagem mais forte, explica ele, é fazer com que os formadores de preços e de salários acreditem que o BC vai fazer o possível para recolocar a inflação no centro da meta em 2009, que é de 4,5% (para este ano, as expectativas são de que o teto de 6,5% seja rompido).

A não ser por pequenos detalhes, o apoio à decisão do Banco Central, entre os economistas, é praticamente unânime. Para o chefe do departamento econômico da Confederação Nacional do Comércio, Carlos Thadeu de Freitas Gomes, "o BC não teve alternativa, já que a economia está aquecida demais e a inflação subiu não só por causa dos preços dos alimentos." Na opinião experiente de Carlos Thadeu, exdiretor do BC, o governo tinha de fazer uma "escolha de Sofia": ou apostar as fichas no crescimento da economia ou quebrar as expectativas inflacionárias. Fez a segunda opção. O economista americano Paul Krugman, conhecido por suas críticas à ortodoxia, disse que a direção da política do BC "está de acordo com o que se espera em uma situação como essa". Nas palavras do ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, "o BC deve ter avaliado que uma pancada mais forte pode encurtar o tempo de luta contra a inflação, o inimigo maior do governo e do País." Em estilo de dar inveja ao presidente Lula, ele recorreu a uma imagem futebolística para justificar a ação de Meirelles: "O Banco Central é como um zagueiro que sai da área para matar a jogada, não quer perder a viagem. Os caras abriram a caixa de ferramenta para afastar o perigo de gol".

Do ponto de vista teórico e acadêmico, a "pancada" do Banco Central até pode ser bem-vinda. Mas quem vai pagar a conta do desaquecimento da economia será, inevitavelmente, o setor produtivo. As previsões de crescimento do PIB para 2009 já foram refeitas de 4,5% para algo em torno de 3%. E, por justo motivo, a decisão do Copom foi seguida de choro e ranger de dentes no meio empresarial. De forma geral, as críticas da iniciativa privada se concentram no fato de o governo acionar apenas as taxas de juros em seu esforço para controlar a inflação. O Estado onera a sociedade, mas não faz qualquer sacrifício – ao contrário, com seus gastos e tarifas joga lenha na fogueira da inflação. "Está na hora de o governo cortar a própria carne, reduzindo os gastos públicos que impõem uma política tributária crescente. Poderia tirar todos os impostos que incidem sobre a cesta básica de alimentos. Subir juros sem controlar os gastos públicos não favorece ninguém", atacou o presidente da Fiesp, Paulo Skaf. Em sua opinião, que costuma desagradar ao Planalto, falta coerência entre as políticas monetária e fiscal, e quem sofre as conseqüências é a sociedade, "principalmente os menos favorecidos, que arcam com aumentos de até 100% no preço do feijão".

A Federação do Comércio de São Paulo, em nota oficial, fez coro com Skaf: "Este é o resultado de se atribuir ao Banco Central um duplo papel: o de fazer política monetária e ao mesmo tempo compensar a má política fiscal do País." O presidente da Abdib, Paulo Godoy, disse que "é duvidoso o efeito da elevação da taxa básica de juros na contenção da demanda em algumas frentes, como nas compras a prazo e nos gastos com alimentação, o que diminui os resultados esperados pela ação do Banco Central". Já o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção, Paulo Safady Simão, diante do novo ajuste, chegou à seguinte conclusão: "Não adianta mais reclamar das taxas de juros, é essa a política que o governo vai usar e ponto final. Só resta torcer para que ele mantenha os investimentos do PAC, do contrário os efeitos colaterais serão graves."

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Na verdade, os efeitos da alta dos juros já se fazem sentir. Como impacto imediato, a Bolsa de Valores de São Paulo não pára de cair (o Ibovespa voltou ao nível de janeiro) e a cotação do dólar despencou para R$ 1,57. Vale lembrar que a desvalorização da moeda americana, provocada pela diferença de juros que favorece o real, é um dos ônus da política monetária, pois tem resposta negativa sobre as exportações, em prejuízo das contas externas. Importações mais baratas, de seu lado, podem ajudar no combate à inflação, mas, diante do cinzento cenário internacional, não é a hora de o País perder divisas. Uma coisa é certa: a política monetária não costuma negar fogo. Tanto assim que os índices de inflação de julho já têm dado sinais de recuo. O IPCA-15, que serve de prévia do índice oficial, mostrou alta de 0,63% contra 0,90% em julho, ficando abaixo da previsão do mercado, de 0,67%. Maior fonte de pressão sobre a inflação nos últimos tempos, o grupo alimentação e bebidas manteve-se em desaceleração. Contudo, segundo a empresa de consultoria LCA, ainda é cedo para cantar vitória porque os preços ao consumidor ainda podem ser contaminados pelas "pressões de custo no atacado, cujo repasse aos preços finais ainda está em andamento, e pelo aumento de custos salariais." Na melhor das hipóteses, prevê Octávio de Barros, o Copom, em setembro, elevará os juros em 0,5 ponto percentual.

Pelo sim, pelo não, empresários e consumidores já estão botando as barbas de molho. Depois de quatro trimestres seguidos de alta, o índice de confiança do empresário industrial, medido pela CNI, baixou de 62 para 59 pontos, entre o primeiro e o segundo trimestre. E o índice de confiança do consumidor, da Fundação Getulio Vargas, caiu de 107 em junho para 101,9 em julho. Nada disso, porém, abala o apoio irrestrito do presidente Lula à política do Banco Central. Em entrevista, voltou a advertir que "quem apostar na inflação pode tirar o cavalo da chuva". Meirelles tem a seu favor um feito de repercussão internacional: só dois países devem fechar 2008 com a inflação dentro da meta, o Brasil e o Canadá. A notícia é como água para o moinho do Palácio do Planalto, que não admite que a inflação tire votos dos partidos governistas na eleição municipal de outubro, mas também quer que a taxa de crescimento da economia só seja afetada no curto prazo, sem respingos sobre a sucessão presidencial de 2010. Meirelles, porém, não tem como ajudar Lula a cumprir a promessa de, apesar da alta dos juros, preservar o nível de consumo da população mais pobre. É impossível fazer omelete sem quebrar ovos.