Até o início da turbulência financeira mundial, a paróquia de Padula, aldeia medieval na região de Campania, no sul da Itália, era apenas um templo religioso. Mas a crise avançou sobre o país de forma impiedosa e transformou os italianos no povo mais endividado da Europa, com taxa de desemprego de 7%. Os 5.398 moradores do povoado, como todos os habitantes do planeta, tornaram- se mais vulneráveis financeiramente. No início do ano, o pároco de Padula, Vicenzo Federico, foi obrigado a socorrer uma família em situação de emergência assinando como fiador um contrato de empréstimo de 10 mil euros (R$ 30 mil). A garantia clerical ajudou a reduzir os juros. O ato cristão correu a aldeia e logo formou-se uma fila na porta da igreja. Todos buscavam o mesmo "milagre". "Estou me sentindo um banqueiro", diz o padre.

A história de Padula pode parecer apenas curiosa, mas está longe de ser um exemplo isolado. As 325 dioceses da Itália separaram, no mínimo, 15 mil euros (R$ 45 mil) para conceder empréstimos aos fiéis e estão substituindo os bancos na oferta de crédito. A arquidiocese de Milão, a segunda maior do país, criou um fundo que já tem 3,2 milhões de euros (R$ 9,6 milhões) e, pela internet, pede contribuições dos fiéis imunes à crise. Na quinta-feira 26, a Conferência dos Bispos Italianos encerrou seu encontro em Roma com uma promessa de ampliar o crédito.

"O Estado não está fazendo o que deveria para proteger as pessoas dos efeitos do desemprego", disse Andrea La Regina, chefe de projetos sociais da Caritas, organização de caridade ligada ao Vaticano.

Se os conselhos financeiros ou favores legais de padre Federico são ofertados sem grandes exigências, os empréstimos de verdade concedidos pela Igreja seguem um processo mais rigoroso. Mas tudo começa na paróquia. Os fiéis precisam relatar, quase como uma confissão, as suas agruras financeiras ao padre. Este encaminha o pedido à Caritas e, caso os três membros do conselho avaliem que a situação é grave mesmo, autoriza uma instituição sem fins lucrativos, o Banco Etica, a conceder o empréstimo com a garantia de que, se faltar dinheiro ao tomador, o banco pode cobrar de Roma.

Com a fiança da Igreja, os juros caem para 3% ao ano – um terço do valor médio de mercado. Mas não deixam de ser cobrados. Nada demais.

Apesar de a Bíblia condenar os juros e a usura nos versículos de Ezequiel e Levítico, Roma sempre encontrou um jeito de participar da onda financeira. A famosa ordem católica dos cavaleiros templários foi a primeira instituição bancária. No século XIV, os famosos banqueiros italianos, como os Médici, conseguiram burlar a Bíblia e deram uma nova utilidade às letras de câmbio, ao trocá-las em feiras de comércio Europa afora mediante uma módica taxa – o que não era nada além do que um disfarce para os juros. O papa fingia que não via porque os Medici cuidavam dos seus negócios. Com a crise atual, no entanto, o próprio papa Bento XVI descobriu que o dinheiro não se multiplica sozinho e "desaparece porque é nada". Embora muitos tenham acreditado que ele é tudo e, ainda por cima, cai do céu.