Autor ferino, verdadeira metralhadora giratória, estrela rebelde da geração que detonou a Semana de Arte Moderna de 1922, Oswald de Andrade (1890-1954), quem diria, também viveu seus momentos de condescendência. Claro que eles não aconteceram na sua juventude, embebida das paixões que se auto-alimentavam com o desconcerto dos normais. Mas os teve, sem dúvida, quando ao tempo vivido se somaram os horrores e as perspectivas de uma guerra mundial que nenhum valor poupava. Tudo parecia soar pequeno diante da enormidade da tragédia anunciada. É em meio a esse turbilhão histórico que o autor veste a carapuça de crítico de sua própria obra e de seu tempo, se despindo dos pudores da juventude em Ponta de lança (Editora Globo, 208 págs., R$ 28).

Edição bem cuidada, com as muitas notas de referência fundamentais para a compreensão da conjuntura abordada pelo autor, Ponta de lança é uma coletânea de artigos e palestras, reunida por ele mesmo no tumultuado período de 1943-44, quando o mundo se encolhia diante do nazifascismo europeu. Nesse contexto, Oswald de Andrade clama pelo antigo desafeto Monteiro Lobato, cujo slogan nacionalista, “O petróleo é nosso!”, faz par perfeito com a necessidade do País de se consolidar como nação no instável cenário internacional.

É neste momento também que o autor renega com ironia a revolução que ajudou a instalar na arte burguesa do País. “Esqueçamos a estética e a Semana de Arte e estendamos a mão à sua oportuna e sagrada xenofobia”, brada ele, em defesa do Jeca Tatu. Mais adiante, ele lamenta o destino do personagem simbólico das mazelas do País: “Jeca vai para a guerra, vai dar seu sangue pela redenção da Europa.” O irrequieto Oswald não se conforma e se alia aos jecas que vão se perder no novo e estúpido mundo. Com isso, a literatura brasileira ganha uma rica obra de protesto, mas também de redenção. Ou, como diria mais tarde o poeta e cantor Caetano Veloso, “o avesso do avesso do avesso do avesso”.