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ATRAÇÃO O pastor Mazola Maffei (de short vermelho), da Renascer, diz que promove as lutas para trazer mais jovens para o grupo

Mazola Maffei e Douglas Meira trocam socos no rosto e pontapés nas costelas dentro de um tatame. Ambos são musculosos, vestem apenas shorts e ostentam tatuagens chamativas. A luta acaba e, lado a lado, os dois fazem uma oração. Já passa da uma hora da madrugada e suas preces são acompanhadas por um grupo de 35 jovens que compareceram à Igreja Renascer de Alphaville, na Grande São Paulo. Eles acreditam que, com a bênção do Senhor, a luta foi vencida por Maffei, ao estrangular Meira pelas costas. Além de lutadores de vale-tudo e instrutores de jiu-jítsu, os oponentes são pastores evangélicos. Ensinam e promovem lutas nos templos com o objetivo de atrair o público jovem para a religião. “Está dando certo”, diz Maffei. “Desde que começamos, o grupo de jovens aumentou de 60 para 90 integrantes.” Essa é apenas uma das várias iniciativas de igrejas com denominações pentecostais espalhadas pelo Brasil que pretendem divulgar a mensagem religiosa usando sopapos e bordoadas como atrativo. Alguns desses grupos adotaram o nome que deixa claro seu objetivo: são os lutadores de Cristo.

Em Curitiba, a Missão Brasileira Lutadores de Cristo, ligada à Igreja do Evangelho Quadrangular, também promove lutas de vale-tudo, ou MMA, como passou a ser chamado o estilo, uma abreviatura de Mixed Martial Arts (Artes Marciais Misturadas). Com um grupo que tem o mesmo nome do paranaense, na Igreja Congregacional de Fortaleza, o instrutor Elder Pinto ensina jiu-jítsu aos jovens cearenses de baixa renda. “Junto com a luta, passo a eles a palavra do Senhor, além de noções de disciplina e respeito ao adversário”, diz Pinto. A Igreja Sara Nossa Terra, de Brasília, também reza na cartilha do jiu-jítsu. “Usamos a luta como atrativo para evangelizar”, diz o pastor Milton Schelp, 44 anos. Ele não acredita que a agressividade desse tipo de esporte seja incompatível com o ambiente da igreja. “A verdadeira violência está no coração das pessoas e não nas artes marciais.”

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Os religiosos de Brasília não planejam, no entanto, introduzir o valetudo em suas aulas. “Acho que é um esporte como outro qualquer, mas compreendo quem se assusta com sua forma agressiva”, diz Schelp. A modalidade é considerada a mais violenta por reunir várias formas de artes marciais numa mesma disputa. Quando estão de pé, os lutadores costumam desferir chutes violentíssimos na altura da cintura do adversário. Uma vez no chão, um golpeia o rosto do outro com socos. “Parece feroz, mas tem uma técnica a ser seguida. São proibidos socos na parte de trás da cabeça, cabeçadas e outros golpes baixos”, diz Maffei, que tem 34 anos e é pastor há 12. Seu grupo é formado por pessoas com idades entre 9 e 34 anos, a maioria amadores que lutam com capacete de proteção. Mas há também profissionais. No começo do trabalho, no ano passado, ele recebeu críticas dentro da igreja e de alguns blogs evangélicos. “Respeito a opinião de todos, mas tenho certeza de que esse esporte pode ser um instrumento importante para atrair os jovens a ouvir a palavra do Senhor”, justifica-se.

A combinação entre vale-tudo e religião tem outras variações. Grande sucesso entre os jovens evangélicos e também de outras religiões, o rapper gospel conhecido como Pregador Luo usa esses ingredientes para fazer sua música. Adepto da Igreja Bíblica da Paz e praticante da luta – que só não tem exercitado por conta da agitada agenda de shows –, ele é autor do tema de entrada no ringue de vários campeões brasileiros da categoria, como Vítor Belfort e Rogério Minotouro. É tão aficionado que dedicou seu último CD, Música de guerra, inteiramente à exaltação do esporte.

Para ele, a pancadaria pode ser muito útil para divulgar mensagens religiosas. “Digamos que seja uma luta contundente”, afirma. “Mas, se o jovem relacionar essa prática a algo saudável e à palavra do Senhor, o efeito é positivo.” Extrair esse entendimento de suas letras não é fácil. Na música Bate pesadão, Pregador Luo criou versos como: “No mundão cruel não tem vez para os fracos” ou “Quando explodir minha ira, pode crer, não vai sobrar mais nada.” Onde estão a solidariedade e a pacificação pregadas pela religião? “As pessoas que me acompanham sabem que falo da guerra do dia a dia, da luta por uma vida mais digna. Não tenho culpa se interpretam errado e levam ao pé da letra”, justifica. Há controvérsias.