Fabricante de 1,2 bilhão de cédulas e um bilhão de moedas, a Casa da Moeda do Brasil (CMB) é uma das mais tradicionais instituições brasileiras, com 313 anos. Nos últimos tempos, no entanto, tem sido alvo de suspeitas que não combinam com sua história. O presidente anterior, Manoel Severino, saiu em 2005 depois de aparecer na lista de sacadores das contas do lobista Marcos Valério. Para substituí-lo, assumiu o executivo do Banco Central José dos Santos Barbosa, com a missão de gerir a CMB por critérios técnicos. Nos últimos tempos, uma série de fatos estranhos fez a gestão de Barbosa ser questionada. Entre as estranhezas, duas empresas que venceram todas as licitações de que participaram – embolsando R$ 110 mil – e a conduta da instituição na briga pelo milionário mercado de cartões telefônicos. Depois de entrar como favorita na concorrência para fornecer o produto à Telefônica, a CMB voltou atrás, aumentou o preço e perdeu um contrato de R$ 80 milhões. O mais nebuloso é a intervenção de um familiar de José dos Santos Barbosa nesse mercado. Sem pertencer à CMB, o advogado Ricardo Barbosa, primo do presidente, teria se apresentado à Telemar como representante da instituição. O objetivo: negociar o fornecimento de cartões telefônicos à revelia do departamento comercial da CMB. Um negócio de milhões.

A operação foi abortada graças à iniciativa de um executivo da Telemar, que repassou à divisão de comércio da CMB um email sobre essa negociação clandestina. “Recebi telefonema do escritório de advocacia do dr. Ricardo Barbosa se qualificando como representante da Casa da Moeda para tratar com a Telemar sobre cartões indutivos. Solicito esclarecer”, escreve Marcelo Pinheiro, gerente de contratações da Telemar. Pinheiro também recebeu e-mail no qual os advogados Ricardo Barbosa e Gustavo Brechbuhler se referem à Casa da Moeda como “representada” e indicam um executivo da instituição para a seqüência da negociação. “Isso é muito grave, é preciso investigar. A CMB não tem representante comercial constituído fora da empresa”, diz o presidente do Sindicato dos Moedeiros, Aramis Marques da Cruz. Procurado por ISTOÉ, o presidente Barbosa não soube explicar a atuação ilegal do primo, que freqüenta com regularidade o seu gabinete. “Ele não tem esse aval, vou falar com ele”, disse Barbosa. Dois dias depois, após saber da existência de um e-mail que prova a intermediação, admitiu o fato: “O Ricardo tem um amigo que conhece alguém na Telemar e fez o contato. Mas depois verificamos que esse conhecido não tinha poder para levar à frente a negociação.”

O primo do presidente da CMB atua no escritório Zalcberg, acusado pela Polícia Federal de envolvimento com a máfia dos fiscais fluminenses em 2003, o chamado Propinoduto. Durante a Operação Babilônia, há dois anos, a PF chegou a prender o dono do escritório, Chaim Zalcberg, sob acusação de chefiar uma quadrilha de lavagem e remessa ilegal de dinheiro ao Exterior. Brechbuhler, o outro advogado que no e-mail se apresenta à Telemar como representante da Casa da Moeda, também já trabalhou lá. Procurado para explicar sua atuação, Ricardo Barbosa inicialmente negou a intermediação. Ao saber da existência de um e-mail com essa denúncia, relativizou. “Eu não fiz contato com ninguém na Telemar, quanto ao meu amigo, não sei.”

O mercado de cartões telefônicos movimenta anualmente R$ 700 milhões. Pioneira na fabricação no Brasil, a Casa da Moeda saiu do mercado quando sua tecnologia ficou desatualizada. Em 2002, novas máquinas foram compradas para que a instituição pudesse fazer frente às duas concorrentes, a ICE e a Interprint. Na gestão anterior, a CMB ensaiou uma volta às licitações de cartões. No ano passado, a divisão comercial elaborou proposta para fornecer o produto à Telefônica, por R$ 0,29. No meio do processo, no entanto, a diretoria da CMB resolveu aumentar seu preço e perdeu a disputa. Barbosa se justifica: “Os insumos foram reajustados e seria necessário contratar funcionários, por isso refizemos a proposta.” Para o presidente do Sindicato dos Moedeiros, nada explica essa revisão. “Parece que o presidente atua contra a Casa da Moeda”, reclama.

Além dessas reclamações, a administração de Barbosa é acusada de organizar licitações suspeitas. Na concorrência para fornecimento de produtos e serviços à CMB, duas empresas venceram todas as 21 concorrências que disputaram. De abril de 2006 a janeiro de 2007, a C.A. Masson ganhou as 14 disputas das quais participou. Já a Forma Final Projetos e Empreendimentos entrou em sete concorrências de novembro de 2006 a janeiro de 2007 e venceu todas. O valor total é de R$ 110 mil. “Abrimos sindicância em maio e estamos apurando o caso”, diz Barbosa. O presidente do sindicato ressalta que a organização da concorrência coube à própria chefe de gabinete de Barbosa. “Tudo indica que houve fraude”, acredita Cruz.

DEFESA “Ele não tem esse aval, vou falar com ele”, diz o presidente José dos Santos Barbosa sobre Ricardo Barbosa