Um esboço do que será a cidade de Paris em 2050. É isso que o presidente francês Nicolas Sarkozy promete apresentar aos franceses no dia 29 de abril. A missão de pensar a cidade do futuro foi delegada a dez renomados escritórios de arquitetura e urbanismo europeus e os projetos serão reunidos em uma espécie de enciclopédia.

A esperança é deixar todas essas referências abertas para consultas a serem feitas sempre que houver interesse em mudar a disposição da cidade. Entre as propostas, destaca-se a preocupação em resolver dois dos maiores problemas da capital francesa atualmente: o isolamento das inchadas periferias e o aumento sistemático da emissão de gases poluentes. Entre as sugestões há trens elevados, prédios de formas inusitadas, parques e muitas intervenções em construções que já existem.

Batizada de "Grand Paris", a iniciativa quer mudar a cidade para que ela não perca sua identidade. "Todo esse investimento em debate antes da execução faz sentido", afirma Frederico Flósculo, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (FAU-UnB). "Afinal, fazer mudanças em uma cidade museificada como Paris é muito difícil", argumenta o professor.

Mas difícil não quer dizer impossível. E as mudanças urbanísticas pelas quais passou Paris nos últimos dois séculos são prova disso. A primeira e considerada por muitos a mais marcante foi conduzida pelo Barão de Haussmann, sob o comando de Napoleão III, na década de 1860. Na época, o objetivo era transformar a Paris medieval em uma Paris industrial. Como Londres e outras metrópoles europeias, a cidade crescia em ritmo acelerado e as estruturas de água, esgoto e transporte já não atendiam à demanda.

A solução foi abrir grandes avenidas para facilitar a circulação da população. De quebra, as obras permitiram que o Barão investisse na infraestrutura sanitária da metrópole. "Napoleão III percebeu que, se a cidade não se adaptasse à nova realidade de quem a ocupava, ela entraria em colapso", explica Dácio Ottoni, professor de história do urbanismo da Universidade de São Paulo (USP).

Agora poder público e urbanistas demonstram preocupação parecida. Há o risco de que, em menos de 50 anos, a localidade que mais atrai turistas em todo o mundo vire uma capital como outra qualquer. "Para manter seu prestígio, precisamos cuidar muito bem dela", disse Jean Nouvel, arquiteto francês que participa do projeto e que ganhou o Prêmio Pritzker, o Oscar da arquitetura internacional, em 2008.

Embora seja mais uma carta de intenções, o "Grand Paris" ataca pelo menos um dos graves problemas parisienses de forma imediata: a ausência de um sistema de integração entre os núcleos periféricos e o centro. Enquanto apenas dois milhões de pessoas vivem na região central, bem servida de museus, universidades e transporte, na região metropolitana, onde há poucos hospitais, escolas e parques, a população é de sete milhões de habitantes. Quando foi ministro do Interior, Sarkozy viu de perto as violentas consequências que ignorar as periferias poderia ter.

Testemunha das revoltas nos bolsões de imigrantes durante o outono de 2005, ele sabe da necessidade de mudanças nesses lugares. Por isso, já aprovou a construção de uma linha de trem elevado de mais de 130 quilômetros que une todas as periferias, os aeroportos de Orly e Charles de Gaulle e o distrito financeiro de La Défense. "Não conheço nenhuma cidade onde o coração esteja tão distante de seus braços e pernas como Paris", atestou Richard Rogers, arquiteto inglês que está entre os dez escolhidos.

Rogers também propôs uma Paris mais verde e ecológica. Para ele, a integração da cidade, por exemplo, pode ser ajudada com a criação de corredores verdes que ocupariam os espaços das grandes avenidas. O transporte de massa ficaria quase todo enterrado, na forma de metrô e avenidas subterrâneas, enquanto na superfície circulariam apenas pequenos carros para uma pessoa, o que diminui a necessidade de ruas largas, reduzindo assim a impermeabilização do solo. Nouvel também pensou em forrar os tetos de todos os prédios com vegetação para reduzir a sensação de ilha de calor na metrópole. "São muitas propostas e elas estão aí para garantir que Sarkozy, como quase todos os estadistas franceses, deixe sua marca na cidade", explica Ottoni, da USP. "Mas não pode ser uma marca qualquer, tem que ser uma marca extraordinária e que dure muito tempo", lembra.