Durante as comemorações dos 200 anos da chegada da família real portuguesa ao Brasil, em 2008, a Embaixada de Portugal organizou um evento no Rio de Janeiro em torno dos presidentes brasileiro e português. A ocasião, que deveria ser uma oportunidade para renovar laços, causou um mal estar diplomático. Duas horas e meia após o horário marcado para o encontro, Lula ainda não havia chegado. Ofendido, o representante da coroa de Portugal, dom Duarte Pio foi embora. Encontros diplomáticos, em especial envolvendo chefes de Estado, são sempre muito delicados, para quem visita e para quem recebe. Podem ter motivos festivos, como o citado acima, mas geralmente envolvem interesses unilaterais, defendidos por representantes de culturas diferentes. Gafes ou quebras de protocolo, como a de Lula, podem abalar relações de proximidade, muitas vezes construídas há séculos. “Se Portugal ainda fosse uma monarquia, as relações entre os países estariam comprometidas”, diz o enófilo Carlos Cabral, que está lançando o livro A mesa e a diplomacia brasileira – o pão e o vinho da concórdia (Ed. Cultura), que chega às lojas nesta semana.

A publicação conta os bastidores do Serviço do Cerimonial do Palácio do Itamaraty, formado por diplomatas encarregados de organizar todos os detalhes que envolvem uma visita oficial. Cabe ao grupo estar à frente dos almoços, jantares e cerimônias oficiais, que geralmente acontecem em banquetes. Para isso, pensam nos cristais, louças e pratarias, na disposição de convidados à mesa e no que será servido. Também é função desses funcionários ensinar aos representantes do governo regras de etiqueta que não lhes são comuns. Mas esses ensinamentos têm limites. Eles não têm o poder de definir a roupa de presidentes e primeiras-damas. Mulher de Costa e Silva (1967-69), Yolanda era cliente do estilista Dener e constantemente criticada por seu figurino carregado. Então esposa do presidente Fernando Collor de Mello (1990-92), Rosane teria errado o figurino várias vezes. No livro, uma foto ao lado da princesa Diana mostra o contraste das produções.

Ainda no Rio, o Palácio do Itamaraty foi oficialmente aberto em 1870 quando a Guarda Nacional ofereceu ao Conde D’Eu, marido da princesa Isabel, um grande baile comemorativo por sua nomeação a chefe do Exército brasileiro. Foi o exemplo típico de um grande banquete, comum naquela época. Havia pelo menos 1.500 convidados, que se deleitaram numa mesa farta com bebidas importadas. As salas do palácio estavam decoradas com flores e o baile se estendeu madrugada adentro, com generais e oficiais devidamente uniformizados e suas acompanhantes de vestidos longos. No Brasil, todo esse glamour só existia no passado. Atualmente os banquetes são feitos para grupos de 60 a 120 pessoas. Geralmente, têm quatro pratos e vinho nacional. E, além disso, possuem hora para começar e terminar, durando no máximo 55 minutos. “A globalização ajudou a acabar com o glamour das recepções. Hoje em dia as visitas são mais breves e não há muito tempo para isso”, diz Cabral.

A preocupação com a civilidade à mesa começou a existir no País em 1808. Hoje, o Serviço do Cerimonial segue um conjunto de normas e regras definidas pela Convenção de Viena de 1815 e 1961. Mas, ao longo da história, isso não impediu que nossos presidentes interferissem. Juscelino Kubitschek (1956-61), por exemplo, abriu mão da ostentação e começou a substituir grifes como Baccarat e Christofle por cristais, louças e pratarias feitos no Brasil. Collor deixou de lado os importados e exigiu que os banquetes fossem realizados a partir de pratos da culinária brasileira, com produtos do Brasil e vinhos nacionais. Lula, por sua vez, trocou o serviço à francesa (quando o garçom serve refeições e bebidas) pelo informal bufê. Com isso, é comum ver chefes de Estado esperando na fila para montar seu prato. Para que tudo corra bem, a preparação de uma visita de Estado começa 120 dias antes do evento. “O cerimonial nada mais é do que a sala de visitas do país, onde se procura revelar um modo de viver ideal, com mesa elegante, convidados educados e boa comida”, resume Cabral.