Num fato inédito na história política do Brasil republicano, pelo menos seis ministros de Estado deverão se lançar candidatos aos governos estaduais em 2010. Nunca houve tantas candidaturas no primeiro escalão do Executivo. Coincidência ou não, dados do Siafi(Sistema de Acompanhamento Financeiro do Governo Federal), apurados por ISTOÉ, mostram um direcionamento na celebração de convênios e na liberação de recursos para os Estados de origem dos ministros hoje pré-candidatos. São eles, pelo menos até agora: Patrus Ananias, do Desenvolvimento Social, Hélio Costa, das Comunicações, Tarso Genro, da Justiça, Alfredo Nascimento, dos Transportes, Geddel Vieira Lima, da Integração Nacional, e Fernando Haddad, da Educação. As ações desses ministros são capazes de multiplicar votos, mas podem configurar o uso da máquina administrativa com objetivos eleitorais. Exatamente por isso, podem complicar a vida dos ministros no futuro, segundo uma autoridade do TSE ouvida por ISTOÉ.

Patrus, por exemplo, aspirante ao governo de Minas Gerais pelo PT em 2010, privilegiou claramente seu Estado natal nos convênios firmados entre o Ministério do Desenvolvimento Social e as 27 unidades da federação. Minas ocupa o topo do ranking por ter recebido R$ 296 milhões em recursos. Em seguida, aparece a Paraíba e Pernambuco. Um dos convênios, firmado em novembro de 2007, destinou- se à construção de um restaurante popular em Teófilo Otoni (MG). O município de 130 mil habitantes é administrado pela petista Maria José, mas Patrus não é bem avaliado lá, segundo políticos locais. “Vejo esse direcionamento de verbas como uma forma de o Patrus montar uma base eleitoral aqui, já que ele não tem um eleitorado forte na cidade”, diz o presidente do diretório do PSDB em Teófilo Otoni, Paulo Afonso. Se forem considerados os três principais programas de transferência de renda do ministério: Bolsa Família, Assistência Social e Segurança Alimentar, Minas Gerais também figura no topo do ranking, de acordo com dados disponíveis no próprio site do órgão.

Em relação aos investimentos feitos nos Programas de Segurança Alimentar, Minas figura em primeiro lugar. É contemplada com R$ 169 milhões anuais. Nos repasses do Bolsa Família, embora Minas tenha o décimo maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do País, só está atrás da Bahia. O Estado de Patrus aparece na frente de todos os outros Estados nordestinos como Pernambuco, Paraíba, Ceará e Maranhão. Recebe por ano R$ 969, 6 milhões. Se for considerada a verba destinada para os Programas de Assistência Social, Minas só perde de São Paulo. “Trata-se de uma ação politiqueira”, critica Paulo Afonso. Mas o ministério contesta. Por meio da assessoria de imprensa, respondeu que o critério do Bolsa Família é a renda e as prefeituras beneficiárias dos programas de segurança alimentar são escolhidas por edital público, logo, seria impossível direcionar porque tudo é regulamentado por lei.

ABUSO adversários acusam governo de uso da máquina para fins eleitorais

O ministro da Justiça, Tarso Genro, foi outro petista que beneficiou seu Estado, o Rio Grande do Sul, no repasse de recursos do principal programa de sua pasta. De um total de R$ 700 milhões liberados para 16 Estados, em convênios com as prefeituras, R$ 130 milhões foram parar no Rio Grande do Sul, que ocupou o primeiro lugar no ranking dos Estados mais aquinhoados pelas verbas do Programa Nacional de Segurança Pública (Pronasci). Em julho de 2008, Genro contemplou o município gaúcho de Bagé com R$ 730,7 mil para implantação de câmeras de vídeos a fim de O ministro da Justiça, Tarso Genro, foi outro petista que beneficiou seu Estado, o Rio Grande do Sul, no repasse de recursos do principal programa de sua pasta. De um total de R$ 700 milhões liberados para 16 Estados, em convênios com as prefeituras, R$ 130 milhões foram parar no Rio Grande do Sul, que ocupou o primeiro lugar no ranking dos Estados mais aquinhoados pelas verbas do Programa Nacional de Segurança Pública (Pronasci).

Não há, de fato, como eliminar a distorção que se vê ao examinar a liberação de recursos do Pronasci. O Rio de Janeiro, por exemplo, que tem taxas de homicídios maiores que o Rio Grande do Sul, recebeu apenas R$ 94,2 milhões. O Ministério da Justiça argumenta que o Rio tem mais a receber e, caso execute os valores empenhados pela pasta, poderá ser o primeiro em volume de recursos. “O Siaficonsidera os recursos executados. Estados e municípios têm dois anos para executar convênios na área de segurança.” Sobre os R$ 130 milhões liberados para o Rio Grande do Sul, o órgão explica que os recursos do Pronasci são distribuídos mediante a apresentação de projetos e que o Estado foi o segundo com maior número de propostas apresentadas.

TSE ministro diz que privilégios podem complicar a vida de ministros no futuro

O ministro das Comunicações, Hélio Costa, que aparece na frente das pesquisas como candidato pelo PMDB, também revela um apreço especial por Minas Gerais. Em 2005, o Estado não tinha recebido nenhum centavo em convênios com o Ministério das Comunicações. Depois que Costa foi nomeado ministro, Minas passou de último para segundo lugar no ranking dos Estados em recursos recebidos por convênios. Foi agraciado com R$ 13 milhões. Hoje, só perde para São Paulo. Um dos repasses contemplou o município mineiro de Bom Despacho no fim de 2005. Foram liberados R$ 378,8 mil para programas de inclusão digital. O presidente do diretório do PSDB em Bom Despacho, Vital Guimarães, critica Costa. “Quem ocupa cargo de ministro não poderia ser candidato ou então ele deveria se desincompatibilizar um ano antes”, defendeu. “No programa de inclusão digital, o Hélio Costa ajudou o prefeito e tenho certeza que a contrapartida vem mais à frente”, disse Guimarães. Costa também escolheu o Estado que pretende governar em 2010 para estrear, em maio de 2008, o projeto de instalação de banda larga em todas as escolas públicas do Brasil. Chamado de Escola Cidadã, o programa começou nos municípios de Ribeirão das Neves e Lagoa Santa, na região metropolitana de Belo Horizonte. Procurado, o ministério não respondeu até o fechamento desta edição.

O levantamento nas contas do Siafifoi feito com exclusividade para ISTOÉ pela ONG Contas Abertas. De acordo com um ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o privilégio de um ministro a seu Estado “pode ser configurado abuso político”. Uma das ações que têm sido olhadas com lupa pela Justiça é a do ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, pré-candidato ao governo da Bahia pelo PMDB. Antes de Geddel assumir a Integração Nacional, a Bahia só havia recebido do ministério R$ 45 milhões por meio de convênios firmados com a União. Com a chegada de Geddel, os valores pularam para R$ 124,3 milhões e o Estado saltou de sétimo para segundo no ranking das unidades da federação contempladas com recursos da pasta. Hoje, a Bahia só está atrás do Piauí, que recebeu R$ 149 milhões desde que Geddel assumiu a pasta. Esses números englobam os anos de 2007, 2008 e 2009.

Uma das cidades mais beneficiadas foi Salvador, administrada por João Henrique (PMDB), aliado de primeira hora de Geddel. Só em julho de 2008, às vésperas das eleições municipais, o ministro liberou R$ 20,6 milhões para obras em Salvador. Geddel insiste, porém, que os critérios adotados pelo ministério são técnicos. “Os recursos destinados ao Estado sempre foram feitos para atender a demandas devidamente explicadas. Mas quero que fique registrada a minha incompetência em não ter conseguido, até hoje, liberar o montante de recursos que a Bahia de fato necessita”, afirmou o ministro à ISTOÉ. No orçamento de 2008, o primeiro da gestão de Geddel na Integração, no programa Desenvolvimento da Agricultura Irrigada”, há recursos da ordem de R$ 130 milhões para a Bahia, mais do que Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe receberam juntos.

É POUCO Geddel se diz incompetente por não liberar ainda mais verbas para a Bahia

O ministro Alfredo Nascimento, dos Transportes, fez algo parecido no Amazonas, onde é candidato pelo PR. Logo que assumiu em 2007, criou um programa para investimento em hidrovias e rodovias, o Vetor Logístico Amazônico. O Amazonas ficou com a maior fatia: R$ 349 milhões. O segundo colocado foi o Pará, no qual foram feitos investimentos de R$ 330 milhões. De acordo com o levantamento sobre os convênios firmados pelo ministério, a região Norte foi a mais contemplada: R$ 776 milhões, de um total de R$ 2,2 bilhões liberados desde que o ministro assumiu a pasta. Segundo sua assessoria, os investimentos associados ao vetor logístico na Amazônia foram definidos considerando o perfil de cada unidade da federação. Além de recuperar a infraestrutura da região Norte, tais projetos têm por objetivo aproveitar e potencializar a vocação de cada Estado.

NA REDE hélio costa escolheu minas Gerais para lançar projeto de banda larga na escola

O ministro da Educação, Fernando Haddad, cotado para ser candidato do PT ao governo de São Paulo, também priorizou a capital paulista nos investimentos feitos por meio de convênios. O Estado figura em primeiro lugar, tendo recebido R$ 407 milhões desde 2005, quando Haddad foi empossado. Embora São Paulo seja o estado que mais arrecada com o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), o que faz com que ele necessariamente seja o principal destino das verbas do Ministério da Educação, é sabido que Haddad, que é paulistano, dá atenção especial a seu Estado. Ele continua a frequentar a roda marxista dos seus tempos de meio acadêmico e carregou a agenda de eventos do MEC em São Paulo. Ou seja, como seus colegas, mesmo cuidando de um problema grave em todo o País, o ministro também prefere focar sua atuação em sua base eleitoral.