Da pequena Croácia, com cinco milhões de
habitantes, à China, com 1,3 bilhão de pessoas, os inimigos do coração são os mesmos. Os fatores
de risco que levam a humanidade a morrer
de infarto são iguais em qualquer canto do planeta. Ao contrário do que se imaginava, não mudam de acordo com o grau de desenvolvimento do país ou de sua cultura. Colesterol alto, cigarro, diabete, hipertensão, gordura abdominal excessiva, stress, baixo consumo de frutas e vegetais, sedentarismo e ingestão excessiva de álcool são responsáveis por 90% dos ataques cardíacos ocorridos no mundo.

A revelação foi feita na semana passada durante o Congresso Europeu de Cardiologia, realizado na Alemanha. Ela é o resultado mais importante de um dos maiores estudos globais feitos até hoje. O trabalho investigou as condições de saúde de mais de 29 mil participantes distribuídos em 52 países, cobrindo os cinco continentes. Entre eles, México, Austrália, Sri Lanka, Japão e Grécia. No Brasil, foram acompanhados 675 voluntários (aqui, a empreitada foi coordenada pelo pesquisador Álvaro Avezum, do Hospital Albert Einstein, em São Paulo). Foram dez anos de trabalho, tocado em 37 instituições por 262 cientistas. A coordenação geral foi do médico Salim Yusuf, diretor do Instituto de Pesquisa em Saúde Pública da Universidade McMaster, no Canadá. Durante dez anos, os cientistas analisaram 15.152 indivíduos que já tinham sofrido um infarto e 14.820 que não enfrentaram o problema. Foi a partir da comparação entre os dois grupos que eles confeccionaram a lista dos principais inimigos do coração no mundo.

Prevenção – A conclusão desse megaestudo, publicado na edição da revista científica The Lancet que circula nesta semana, é fundamental para balizar políticas de ação. “Achávamos que esses fatores de risco eram responsáveis por 50% das mortes por infarto, mas eles provocam a maioria dos ataques e todos podem ser prevenidos. É preciso traçar uma estratégia global com foco na prevenção antes que o problema vire uma epidemia”, disse a ISTOÉ o médico Matthew McQueen, um dos coordenadores da pesquisa.

O cientista toca num ponto crucial. O trabalho mostra que para reduzir os infartos é necessário mudar o estilo de vida. Praticar exercícios, ter uma alimentação balanceada, não fumar e manter-se calmo diante das pressões do dia-a-dia são algumas das medidas indicadas. No entanto, a dificuldade de adotar novos hábitos é crônica no homem moderno. Atenta a isso, a medicina busca saídas que se encaixem no cotidiano de cada um.

Atacar o desequilíbrio nas taxas de colesterol – o primeiro na lista dos perigos –, por exemplo, pode ser mais tranquilo do que se imagina.

Uma das recomendações para diminuir as taxas de LDL, conhecido como mau colesterol porque entope as artérias que irrigam o coração, é resistir às porções de batatinha frita e restringir o consumo de carne vermelha, ovos e leite. Esses alimentos são ricos em gordura saturada, que aumentam os níveis do colesterol ruim. Há casos, é claro, em que é preciso recorrer aos remédios. As estatinas são as mais indicadas. E há novidades nessa área. Chegaram ao mercado dois medicamentos que unem a estatina e a ezetimiba, substância que inibe a absorção de colesterol pelo intestino.

Outro fator que aumenta o colesterol é o cigarro. Mas este não é o único estrago do vício. O fumo diminui a quantidade de HDL, fração do colesterol que limpa os vasos sanguíneos do mau colesterol. A nicotina também reduz o diâmetro das artérias, dificultando o fluxo do sangue. “O fumo ainda predispõe a lesões que facilitam o depósito de gordura nos vasos”, explica o cardiologista Abrão Cury Júnior, diretor da Sociedade Brasileira de Clínica Médica, regional São Paulo. Por isso, é fundamental abandonar o vício. “E hoje é bem mais fácil parar de fumar”, garante o psiquiatra Montezuma Ferreira, do Hospital das Clínicas de São Paulo. Algumas alternativas se baseiam na reposição de nicotina para que o fumante seja poupado dos efeitos da interrupção repentina. Entre as propostas estão os chicletes e o adesivo que liberam nicotina gradativamente.

Vontade – Outra saída são os antidepressivos. Esses remédios aumentam a sensação de bem-estar semelhante à oferecida pelo cigarro. Ao contrário do que costuma acontecer, a paulistana Leila Tacla, 59 anos, presidente do voluntariado do Hospital do Coração (SP), deixou de fumar sem auxílio algum. E ela fumou durante 20 anos, em média 20 cigarros por dia. Em 2003, porém, assistiu a uma palestra sobre os malefícios do cigarro. “Fiquei tão impressionada com as imagens do pulmão que larguei na hora”, conta.

Para controlar a diabete, outro risco importante à saúde cardíaca, o cuidado deve ser grande também. Cerca de 70% dos portadores da diabete tipo 2 (associada à obesidade) morrem de complicações como infarto ou derrame. A doença é caracterizada pela falta ou dificuldade na produção do hormônio insulina, responsável por abrir as células para a entrada da glicose. Em excesso no sangue, ela leva ao estreitamento dos vasos sanguíneos. Para evitar esses problemas, o segredo é a prevenção baseada na dobradinha dieta equilibrada e exercício. Já na diabete tipo 1, congênita, a insulina também costuma ser necessária, além do controle da dieta e da necessidade de atividade física.

No caso da hipertensão, o primeiro passo é descobrir a doença. A maioria dos pacientes nem sequer desconfia do problema. “É um mal silencioso que agride as artérias e as deixa suscetíveis a lesões”, diz Cury. Uma pesquisa feita na Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (SP) pelo cardiologista José Fernando Villela atesta a suspeita dos médicos. Um em cada cinco doentes que tiveram complicações cardiovasculares por conta da pressão alta não sabia da enfermidade. Uma dica importante é ficar de olho nos fatores que predispõem ao problema. Obesidade, excesso de sal, bebidas alcoólicas em exagero e herança genética fazem parte da lista. Se a hipertensão se agravar, o ideal é fazer uso de anti-hipertensivos. Entre os mais modernos estão os bloqueadores dos receptores da angiotensina (hormônio que aumenta a pressão). Fazer o controle regular da pressão arterial com o medidor – em bom estado de uso – é de grande valia. Quem adota os hábitos não se arrepende. O administrador paulistano Claudinei Bonandin, 40 anos, mudou seu estilo de vida após descobrir há cinco anos ser hipertenso. Ele deixou de comer embutidos, diminuiu o sal, pratica natação e toma remédios. “O esporte foi fundamental para me ajudar a perder peso”, diz.

Barriga – Esse exemplo deveria ser seguido. Como apontou o estudo mundial, o acúmulo de gordura é uma grande ameaça. Em especial a que se deposita no abdome, chamada de visceral. “Ela aumenta a resistência das células à insulina”, explica Otávio Rizzi Coelho, presidente da Sociedade de Cardiologia de São Paulo. Além disso, a célula gordurosa visceral exerce outros efeitos malignos. “Essas células aceleram o processo de formação de placas de gordura”, diz Tânia Martinez, do Instituto do Coração (InCor), em São Paulo. Homens com circunferência abdominal superior a 102 cm e mulheres acima de 88 cm estão mais propensos a ter infartos. A dica para combater esse tipo de gordura é fazer exercícios aeróbicos, como a caminhada. “É preciso perder peso”, orienta Maria Urbana Rondon, do InCor.

Baixo consumo de frutas e vegetais também está na linha vermelha. O ideal é consumir no mínimo três porções de frutas por dia e duas de verduras e legumes. “Esses alimentos são ricos em nutrientes e substâncias que protegem o coração do infarto”, explica a nutricionista Cynthia Antonaccio, de São Paulo. E, para vencer o sedentarismo, outro vilão mundial, é preciso começar a se mexer, mesmo que seja devagar. E aqueles que não resistem a uma bebida devem consumi-la com moderação. Em excesso, o álcool contribui para o aumento da hipertensão e excesso de gordura. A economista carioca Maria Rita Garcia, 38 anos, venceu todos esses vilões e hoje só tem a comemorar. Mesmo sem nenhum problema cardiovascular, ela parou de fumar, faz exercícios e não abre mão de uma dieta saudável. “Mudar de rotina faz realmente diferença”, ensina.