O presidente do Banco Central, Henrique
Meirelles, está sob fogo cruzado há seis semanas por causa de investigações do Ministério Público sobre sua vida patrimonial e fiscal. Nesse tempo, a Receita Federal não emitiu um único rugido. Pelo contrário, o Leão ficou silencioso diante dos problemas. Agora, pode ser obrigada a se pronunciar. Na sexta-feira 27, chegou à Receita um pedido de auditoria fiscal nas contas do presidente do BC e de mais 15 pessoas físicas e jurídicas que fizeram negócios ou são ligadas ao Executivo, direta ou indiretamente. Estão incluídas as empresas de Meirelles, seus procuradores, seus sócios e sua mulher. Mais do que o pedido de um pente-fino, o MP acrescentou novos elementos que podem complicar as versões apresentadas até aqui pelo presidente do BC sobre seu domicílio em 2001 e o primeiro semestre de 2002.

Após ISTOÉ ter revelado que Meirelles havia declarado à Justiça Eleitoral que morava no Brasil em 2001, mas não pagou Imposto de Renda no país naquele ano, afirmando que residia nos EUA, o presidente do BC disse, em nota oficial, que não havia conflito entre sua declaração ao Fisco e a sua situação eleitoral. Mas agora surge outro problema. No dia 6 de agosto de 2001 o então executivo do BankBoston recebeu um tabelião na rua Líbero Badaró, centro de São Paulo, para fazer seu testamento. No livro 1.752, folha 97 do 26º tabelionato de notas de São Paulo, Meirelles destina 50% de seus bens no Brasil a seus pais e a outra metade para uma fundação a ser criada com seu nome. Ele declara que “deixa um outro testamento nos EUA dispondo sobre a divisão dos bens que possui no referido país e que em nada conflita com o presente testamento, já que este trata apenas dos bens de propriedade existentes no Brasil.” Outro ponto que chamou a atenção na certidão do cartório está na décima linha da escritura. Quando fez o testamento, Meirelles declarou que é “residente e domiciliado na rua Estuário, 519, Jardim Marajoara, Santo Amaro.”

De fato, o imóvel pertence a Meirelles desde novembro de 1996. É o mais enfático documento com fé pública no qual Meirelles confessa que morava no Brasil em 2001. Segundo o professor de direito tributário e ex-secretário da Receita, Osires Lopes Filho, desta vez não dá para escapar: “A escritura configura o domicílio dele no Brasil em 2001.” Outro item despertou a curiosidade dos investigadores. A testamenteira nomeada por ele é a economista Rita de Souza Manso, que trabalhou 20 anos com Meirelles no Banco de Boston. Manso, que vai receber 3% do total da herança, é a ocupante do apartamento do ex-chefe no luxuoso apartamento da Vieira Souto em Ipanema, no Rio de Janeiro, pelo qual, disse ela a ISTOÉ, não paga aluguel. É o imóvel que Meirelles comprou do BankBoston em 2000 pelo preço de R$ 1 milhão. Segundo especialistas o apartamento vale entre R$ 5 milhões e 6 milhões.

Na declaração retificadora sobre o ano de 2002 – que fez em maio passado,
quatro horas e 22 minutos após ser consultado por ISTOÉ sobre seu patrimônio –, Meirelles corrigiu-se em dez pagamentos e doações feitas a pessoas físicas
e jurídicas. As deduções com despesas médicas caíram de R$ 51 mil para
R$ 7,5 mil. Especialistas em tributação acham que ele pode ter retirado as
deduções para evitar o surgimento de pagamentos feitos em 2001 e no
primeiro semestre de 2002, quando ele disse não morar no Brasil. Antes da retificação, em abril de 2003, quando já era presidente do BC, ele declarou
ter gasto R$ 10 mil com o reumatologista paulista Wagner Felipe de Souza Weidebach. Por que Meirelles retirou um pagamento tão alto e dedutível? Simples. O médico acompanhou Hegesipo de Campos Meirelles, pai de Meirelles, durante o tempo em que ele ficou internado no hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, entre os dias 16 de dezembro de 2001 e 6 de janeiro de 2002. Hegesipo não é declarado como dependente do filho e por isso a despesa não poderia ser abatida no Imposto de Renda do presidente do Banco Central.

Na retificação, em maio de 2004, só permaneceram os pagamentos ao Hospital Albert Einstein e a uma clínica odontológica paulista. O curioso é que ao Albert Einstein ele declara ter pago R$ 17 mil; depois, na retificadora, o valor cai para
R$ 3,6 mil. As diferenças só podem ser esclarecidas pela auditoria fiscal pedida
pelo MP. A Receita agora dificilmente poderá evitar postergar a devassa nas declarações de renda. Apesar da blindagem e dos acordos dentro do governo, segundo os quais Meirelles faria novas retificações no Imposto de Renda, o Ministério Público, aos poucos, vai fechando o cerco. Procurado por ISTOÉ, o presidente do Banco Central não quis fazer comentários.