Ao falar da experiência radical de seu novo CD, Medúlla, a cantora islandesa Björk comentou que para ela cantar é como descer uma montanha escorregadia e perigosa. A afirmação faz sentido ao se ouvirem as 14 canções do álbum, gravado em 18 cidades do mundo, entre elas Salvador, onde passou o Carnaval deste ano. Feito quase inteiramente a capella, Medúlla explora ao limite o poder de encantamento da voz, que em muitas faixas lembra animais, entidades imaginárias, barulhos conhecidos e instrumentos musicais. Tudo conseguido graças à pós-produção de ponta, que injeta pitadas de bases e efeitos eletrônicos na sofisticada trama sonora. A cantora se armou de ótima companhia. Na lista dos convidados encontra-se a esquimó Tanya Tagaq Gillis; o japonês Dokaka, exímio simulador de sons; o inglês Robert Wyatt; o roqueiro Mike Patton, ex-Faith No More, e o rapper Rahzel, do The Roots. Em canções mais rebuscadas, ela contou com o apoio do Icelandic Choir e do London Choir.

Se em alguns momentos o canto da islandesa soa delirante, na maior parte do tempo suas invenções chegam ao ouvido como um sortilégio. Faixas como Pleasure is all mine, Show me forgiviness, Vökuro – cantada em islandês – e Desired constellation se aproximam do canto sacro na emissão devocional. O concerto de dissonâncias e experimentações ganha corpo de forma surpreendente em Where is the line, com coro épico, e Oceania, apresentada na abertura da Olimpíada, na qual o canto coral faz de cortejo de sereias. Para não dizer que abandonou de vez as pistas de dança, Björk faz um techno vocal em Triumph of a heart, com direito a miados de gato e trombone humano de Gregory Purnhagen.