Em meio às comemorações do Dia do Cerrado, no sábado 11, uma reviravolta num dos processos judiciais mais contundentes envolvendo a maior esmagadora de soja do País, a multinacional Bunge Alimentos, deixou em alerta os ecologistas preocupados com o futuro do cerrado. Acordo assinado em agosto por representantes do Ministério Público, do governo do Piauí, da Mineração Graúna e da Bunge pôs fim a uma ação civil pública aberta no ano passado contra a multinacional. Pelo Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), por mais seis anos, a empresa pode usar lenha nativa para alimentar seus fornos em Uruçuí, a 450 quilômetros de Teresina.

Para se instalar na cidade, há um ano, a Bunge apresentou Estudo de Impacto Ambiental, aprovado pelo governo do Estado e pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), mesmo com falhas. Entre os problemas apontados por empresa contratada pela própria multinacional holandesa estão a falta de alternativas ao uso da lenha e um projeto que mostrasse em quanto tempo a Bunge seria auto-suficiente usando lenha de reflorestamento. Outra questão ignorada pelos órgãos ambientais era o estímulo ao desmatamento para suprir a demanda da empresa, que paga R$ 22 por metro estéril de madeira. No processo, o procurador Tranvanvan Feitosa, do Ministério Público Federal, afirma que esse tipo de falha pode levar o cerrado à morte. Com dois milhões de quilômetros quadrados de área, a região cobre 11 Estados, entre eles Bahia, Distrito Federal, Piauí, São Paulo e Minas Gerais. De cada dez espécies de animais, três são do cerrado, onde vivem dez mil espécies de plantas.

Em maio deste ano, uma desembargadora federal concedeu liminar determinando que a Bunge alterasse sua matriz energética e proibindo a aquisição de mais lenha além da que havia em estoque. A Bunge passou a anunciar que deixaria o Piauí se não pudesse queimar madeira nativa. “Eles fizeram campanha anunciando sua saída e o fim do desenvolvimento do Piauí. Foi uma comoção social”, diz Judson Barros, presidente da ONG ambientalista Fundação Águas do Piauí (Funáguas). Desde que comprou essa briga, ele sofre represálias da população de Uruçuí, sua cidade natal. A estratégia da multinacional parece ter surtido efeito. Uma reunião entre Executivo, Legislativo e procuradores deu início a um acordo que culminou com a assinatura do termo de ajustamento que permite o uso de lenha nativa, a mesma matriz energética usada pela Bunge em outras fábricas no País. “A empresa tem dois meses para corrigir as falhas do projeto inicial”, diz o procurador Feitosa.

Os ecologistas alegam que não há garantias de que os eucaliptos possam suprir as necessidades da Bunge. Segundo o Ministério Público, a empresa precisa de 217,5 milhões de metros estéreis de lenha por ano, muito acima dos 120 mil metros atestados pela Bunge. Pelo acordo, mesmo que a lenha seja insuficiente, a multinacional não será punida, pois a responsabilidade pela matéria-prima é de outra empresa. Estudos feitos com imagens de satélite mostram que mais da metade do cerrado já virou fumaça. A Funáguas entrou com apelação pedindo a anulação do TAC. “A Bunge ditou seus interesses. Antes da reunião o procurador da República era contra o uso da lenha. Ele mudou de posição em questão de dez dias”, afirma Judson Barros.

O procurador se defende. “O que contestamos foi o estudo inicial, que não deveria ter sido aceito. A empresa se comprometeu a exibir outro estudo. Vamos ficar de olho para que ela só compre lenha autorizada”, diz Feitosa. “Não existe devastação nenhuma. A Bunge só compra lenha autorizada”, diz Romildo Mafra, superintendente do Ibama no Piauí, que tem 45 funcionários para fiscalizar uma área de 100 mil quilômetros quadrados. “Existe lenha em abundância e o volume de madeira que usamos é insignificante: só 10% do que é cortado por lei”, diz Adalgiso Telles, porta-voz da multinacional. A briga é emblemática: mostra a fragilidade do Brasil em relação a casos que envolvem crescimento econômico e conservação ambiental.

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