Sapatos de couro de peixe, carne de jacaré, móveis e objetos de decoração feitos a partir do reaproveitamento de madeiras nobres, cremes, sabonetes e xampus elaborados à base de mel e óleos extraídos de sementes e árvores, luminárias e cestos tecidos com fibras vegetais, roupas e calçados confeccionadas com látex de seringais desativados. Ainda pouco conhecidos, os produtos dos Estados que compõem a chamada Amazônia Legal – Amazonas, Pará, Rondônia, Acre, Roraima, Amapá, Mato Grosso, Tocantins e parte do Maranhão – começam a ganhar o mundo. O couro de peixe já está na Itália e na Argentina; do látex foram feitos macacõezinhos para crianças vestirem nas estações de esqui da Alemanha; e os sabonetes e cremes são disputados na Europa, na Ásia e nos Estados Unidos. Feitos a partir de matérias-primas retiradas da floresta de maior biodiversidade do mundo, todos esses produtos carregam um pouco da história e do trabalho artesanal dos habitantes da região amazônica. Também são responsáveis pela geração de emprego e renda e melhoria das condições de vida dessas populações.

No caso do látex, extraído de 17 reservas extrativistas de antigos seringais de Machadinho do Oeste, região de Ariquemes, a 195 quilômetros de Porto Velho, um grupo de 50 famílias carentes aprendeu, em 2001, a transformar o líquido extraído das seringueiras em uma espécie de manta emborrachada para a confecção de roupas, calçados e cintos. Elas receberam a ajuda do Sebrae de Rondônia, que forneceu treinamento, consultoria tecnológica e trouxe uma designer de moda para criar uma coleção de roupas feitas a partir do látex. Em junho passado, organizaram o primeiro desfile com vestidos, blusas, minissaias, maiôs e biquínis para os comerciantes da região. O exotismo das roupas encantou a platéia e mostrou que há viabilidade para os produtos, inclusive para voltar a vender para o Exterior. “Mostramos que é viável. Agora, estamos organizando a infra-estrutura de produção”, informa Valda Benicasa, diretora técnica do Sebrae/RO.

Viabilidade, aliás, era o que faltava para que o couro do surubim, do dourado e da pirara, peixes tradicionais dos rios da Amazônia, fosse utilizado na fabricação de calçados, carteiras e bolsas. Foi pensando nisso que Luis Viriato criou a Couro D’água, em Manaus, um pequeno curtume que processa artesanalmente os couros de peixe. O negócio ainda não deslanchou, mas tem atraído o interesse de argentinos e italianos. “Já vendemos pequenas quantidades para a Itália, Japão e Inglaterra”, conta Viriato, que prefere melhorar a qualidade das peças antes de popularizá-las. As peles são utilizadas pela Green Obsession, também de Manaus, de Rose Dias, na produção de sandálias e adereços com detalhes em couro de peixe e têm encantado os compradores. “Fomos os primeiros a agregar valor às peles de peixe”, diz Rose, que vende suas sandálias com peles de surubim ou dourado para a Itália e os Estados Unidos. Rose também está produzindo bijuterias feitas a partir das escamas de peixe, como broches e conjuntos de brincos e colar. “Queremos mostrar que o lixo pode virar luxo.”

Transformação – Transformar lixo em luxo também é o objetivo de seis madeireiras da cidade de Veras, a 500 quilômetros de Cuiabá, em Mato Grosso. Elas integram um projeto que transforma resíduos de madeira, antes jogados fora ou queimados, em móveis, tacos para pisos, bandejas e revisteiros. Os produtos chamaram a atenção dos visitantes da última Amazontech, feira realizada em meados de agosto em Cuiabá, que rendeu aos produtores de móveis e artefatos de madeira encomendas de cerca de R$ 2 milhões. O projeto, que inclui também 14 artesãos, tem como principal objetivo consolidar o mercado interno para, depois, partir para as exportações. Exportar também está nos planos da Cooperativa de Criadores de Jacaré do Pantanal (Coocrijapan), de Cáceres, a 100 quilômetros de Cuibá, que montou o primeiro frigorífico da América do Sul específico para abate de jacarés. O sistema de criação dos animais em cativeiro é auto-sustentável, tem autorização do Ibama e apoio da Universidade Federal de Mato Grosso. Apesar de a carne ser uma das mais saudáveis, com apenas 0,06% de gordura, é a pele que tem mais valor e é praticamente toda exportada para o mercado americano. A cooperativa, que reúne produtores com terras dentro do Pantanal mato-grossense, só começará a comercializar a carne em grandes quantidades a partir de janeiro, quando terá recebido a licença das autoridades sanitárias. Gastão Sharp, diretor administrativo da cooperativa, acredita que a carne de jacaré será bem aceita nos mercados de São Paulo e Rio de Janeiro, onde será vendida como produto exótico. A meta é abater 200 animais/dia e colocar a carne de jacaré em todo o País.

Sabonete – Sucesso há décadas, os cosméticos à base de mel e óleos vegetais da Amazônia viraram sinônimo de beleza e rejuvenescimento. A Artesanato Juruá, de Belém, cresceu e se tornou conhecida internacionalmente usando como mote o misticismo da maior floresta do mundo. O sabonete Juruá, carro-chefe da empresa, que traz uma fórmula da década de 20, ganhou a preferência das maiores estrelas brasileiras. Tônia Carrero, Cláudia Raia, Xuxa, Vera Fischer e Regina Duarte, entre tantas outras, fizeram do produto uma referência em termos de tratamento de beleza. Até o príncipe Charles e a princesa Diana se renderam as propriedades cosméticas do sabonete. A história do Juruá (palavra tupi que significa quelônio ou tartaruga) começou em 1914, com a chegada do italiano Francisco Filizzola, um farmacêutico vindo de Florença, fugido da Primeira Guerra Mundial. A dificuldade para conseguir produtos de higiene o fez criar para consumo da família um sabonete feito com banha de tartaruga.

Após a morte do patriarca e de sua mulher, a filha mais velha, Izabel, encontrou um caderno com as fórmulas deixadas pelo pai. Começou a experimentar e a adaptar os escritos sobre o sabonete. Em pouco tempo, Juruá se tornou sinônimo de sabonete em todo o Estado do Pará. Em 1967, ganhou notoriedade com a escultora Eneide de Moraes, que levou o produto para o Rio de Janeiro, presenteando a atriz Tônia Carrero. A partir daí, o produto ganhou o mundo, sendo usado por atrizes internacionais como Demi Moore e vários chefes de Estado. Em 1986, a Juruá Artesanato já era dona de uma linha de mais de 20 produtos e o negócio não parava de crescer. As vendas superavam os cinco mil sabonetes por mês, cerca de mil potes de cremes e xampus e as encomendas vinham do Japão, da Espanha, Inglaterra, Itália e do México.

Dona Sônia, uma das três filhas de Filizzola, terceira geração e atual comandante da Juruá, define o sucesso com simplicidade: “Sempre utilizamos matéria-prima autêntica e tudo é feito com dedicação e amor”. Parece simples, mas é essa dedicação que elevou a produção para 50 mil sabonetes/mês e fez o faturamento chegar a R$ 100 mil mensais. Isso quando não há encomenda dos japoneses. “É comum os dekasseguis levarem os produtos para vender no Japão”, diz Sônia. A empresa tem recebido consultas de empresas do Japão e de outros países europeus para grandes encomendas que superam 300 mil sabonetes (coisa de R$ 1 milhão). Também é visitada por outras companhias do setor de cosméticos interessadas em conhecer as instalações em Belém. Em maio, por exemplo, Miguel Krigsner, presidente de O Boticário, esteve em Belém para conhecer a Juruá. Sinal de reconhecimento e de que pode rolar algum tipo de parceria. O pessoal da floresta agradece.