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O engenheiro André Sougarret, o cérebro por trás do resgate perfeito de 33 mineiros no norte do Chile e com fama de homem imperturbável diante das dificuldades, não escondeu as lágrimas quando viu emergirem os homens que passaram 70 dias no fundo da mina San José, graças à operação de retirada concebida por ele.
A imprensa conviveu diariamente com o rosto permanentemente grave de Sougarret, que todos os dias se colocava diante dos microfones para dar informações técnicas da operação. Graças a ele, os jornalistas aprenderam um pouco de engenharia e, junto com os telespectadores, se familiarizaram com termos como Strata, torque, ‘casing’ e RQD (Rock Quality Designation), que iam definindo os avanços do resgate.
Por isso foi impactante vê-lo chorar na quarta-feira, quando os últimos mineiros saíam pelo duto de 622 metros, comovido pelo espetáculo do reencontro dos trabalhadores com seus familiares. "Meu objetivo sempre foi unir as famílias com os mineiros e cada vez que se cumpria, ficava emocionado", explicou esta quinta-feira, como se precisasse se justificar.
"Sou uma pessoa, acredito na família, acredito na necessidade de ficarmos juntos e cada vez que isto se cumpria, para mim era um grande sentimento, uma grande emoção. Evidentemente que alguns me emocionaram mais que outros", disse este engenheiro, sempre tentando passar discretamente entre as personalidades políticas.
Com 46 anos, casado e pai de três filhas, Sougarret estudou engenharia de minas na Universidade do Chile. Atuava como gerente de mina da Divisão El Teniente – que abriga a maior mina subterrânea do mundo -, da companhia cuprífera estatal chilena Codelco, quando o presidente Sebastián Piñera pediu para que liderasse a operação de resgate dos 33 mineiros.
"Já tinha acumulado muita tensão e o ocorrido fez com que todas as emoções transbordassem", explicou seu irmão, Jorge, também engenheiro de minas. André Sougarret explicou o sucesso da operação em que houve "objetivos claros, definições claras, ir resolvendo com transparência, comunicando-os e avançando na tomada de decisões".
"Bom, papai, você é ‘seco’. Agora vem pra cá", foi a mensagem enviada pelo microblog Twitter pela filha Ivy, segundo o jornal La Tercera. Os chilenos usam a expressão ‘ser seco’ para designar "ser o melhor em algo".
Após quase dois meses na jazida de San José, Sougarret terá que voltar a Rancagua, no sul do Chile, para gerir novamente a mina El Teniente. Esta quinta-feira, ele compareceu à mina pela última vez ao lado do ministro Laurence Golborne, artífice político deste bem sucedido resgate.
Golborne contou que ele havia feito uma aposta com Sougarret sobre qual dos três planos desenhados para contatar os mineiros chegaria primeiro. "Ele ganhou a aposta. Claro, ele tinha vantagem: eu sou engenheiro químico, ele é engenheiro de minas", disse Golborne, radiante.
Foi então que Sougarret abriu um sorriso, algo tão raro quanto seu choro do dia anterior.

Chegada em casa

Os três primeiros mineiros a receber alta do hospital de Copiapó tiveram uma recepção calorosa por parte de seus familiares e vizinhos na madrugada desta sexta-feira, em seu bairros pobres e inseguros dos subúrbios desta cidade de 150.000 habitantes, 800 km ao norte de Santiago.
Juan Illanés, Carlos Mamani e Edison Peña foram os três primeiros do grupo de 33 mineiros a entrar no hospital de Copiapó e foram os primeiros a voltar para suas casas, onde foram recebidos por suas famílias emocionadas e seus vizinhos entusiasmados pela fama mundial de que agora gozam, assim como por uma montanha de jornalistas.
A respeito do estado de saúde dos mineiros, o ministro da Saúde, Jaime Mañalich, afirmou que é bastante satisfatório. Já o dr. Jorge Montes, subdiretor médico do hospital de Copiacó, para onde os 33 mineiros resgatados foram enviados para exames médicos, informou que o paciente que sofre de uma infecção pulmonar está bem e não deve ter uma internação prolongada.
Montes não mencionou o nome do paciente, mas um dos médicos encarregados do resgate, Jean Romagnoli, indicou à AFP dias antes que Mario Gómez, 63 anos e o mais velho do grupo, apresentava "um forte quadro de dificuldades respiratórias característicos de uma pneumonia". Em função disso, as autoridades médicas decidiram dar antibióticos três dias antes da data prevista para o resgate.
Romagnoli também assinalou que Mario Gómez padece de silicose, uma doença típica de mineiros e de caráter irreversível. Os três mineiros que receberam alta, no entanto, foram os protagonistas das notícias nas última horas.
Um carro da Associação Chilena de Segurança levou Illanés, de 52 anos, e o boliviano Mamani, de 23 anos, para suas casas no bairro de João Paulo II, na parte alta da cidade, um dos setores mais pobres de Copiapó. No trajeto para casa, Illanés compartilhou seu sonho futuro com a AFP: "A verdade é que quero ir para Miami".
"O confinamento foi horrível. Os primeiros 17 dias foram um pesadelo. Depois, tudo mudou", contou ainda. "Pouco a pouco fomos nos organizando, e sentíamos o apoio vindo de fora. E, perto do final, tudo que queríamos era sair", contou a caminho de casa. Illanes, mineiro de profissão, casado e com um filho, emergiu às 2H06 logo depois de seus companheiros Florencio Ávalos e Mario Sepulveda.
"A experiência na mina foi muito proveitosa. Tudo isso tem sido incrível", declarou. Illanes, um eletromecânico, que celebrou seu aniversário dentro da mina, foi, segundo testemunhos, quem mais injetou otimismo e bom humor a seus companheiros. "Tínhamos que passar por algo assim para mostrar como trabalham os mineiros", observou, num momento de reflexão. "Se não tiver remédio, vou continuar trabalhando como mineiro. Se tiver que sobreviver, farei isso. Mas se puder viver de outra coisa qualquer, deixarei as minas. É muito duro", contou.
Também morador de João Paulo II, Mamani foi recebido quase como um herói. "Bem-vindo ao nosso humilde lar", dizia um cartaz na simples casa de barro, onde Mamani, de 23 anos, mora como tantos imigrantes em busca de trabalho e um futuro melhor. "Viemos para celebrar esse milagre de Deus. É uma emoção muito grande", afirma Viviana Piña, uma vizinha do mineiro, que junto a outras 30 pessoas, em sua maioria bolivianos, esperava por Mamani.
Quando o carro com o mineiro chega, ele, ainda usando os óculos escuros recomendados pelos médicos, fica surpreso com a recepção. "Estou bem, estou bem", repetiu aos jornalistas que o cercam. Mamani foi obrigado a forçar a passagem para entrar em casa, onde era esperado pela esposa e a filha de um ano, além dos familiares vindos da Bolívia.
O terceiro a deixar o hospital foi Edison Peña, igualmente recebido por um mar de amigos e jornalistas ao chegar em casa. "Estou bem, estou super saudável, por isso fui um dos três a sair primeiro", explicou. "Passamos bem mal, eu não acreditava que íamos voltar. Obrigado por acreditarem que estávamos vivos", acrescentou.
Pelo menos outros 10 mineiros devem receber alta nesta sexta-feira do Hospital de Copiapó. "Acreditamos que o número de altas não será menor que 10 mineiros", assinalou Jorge Montes, subdiretor médico do hospital, para onde os 33 mineiros resgatados foram enviados para exames médicos. O médico não mencionou nomes ou a hora da saída, como aconteceu na véspera.