Alguns conselhos regionais de psicologia do País acabam de incorporar a cultura do disque-denúncia. Explica-se: toda vez que um psicólogo tiver em seu consultório um paciente envolvido numa situação de violência, seja esse paciente a vítima, o agressor ou o mero suspeito, o psicólogo estará obrigado a denunciar o fato à polícia. Pelo código da profissão que está em vigor, o psicólogo tem esse direito, mas não o dever – fica por conta de sua metodologia. Todas as vezes que um direito vira um dever, quem perde é a cidadania: nesse caso específico, a cidadania do paciente. Assim, o novo código mais parece plataforma eleitoral nesses tempos de violência. “Deverá ser quebrado o sigilo quando o paciente colocar em risco a vida de outros ou a sua própria”, disse a ISTOÉ a psicóloga Ana Bock (acima), que defende o novo estatuto e assumirá a presidência do Conselho Federal.

Na verdade, o raciocínio não pode ser tão linear. Exemplo: uma pessoa procura um psicólogo justamente quando ela não está bem. Mas se esse
não estar bem embutir a vontade de se matar, de agredir ou até de matar  alguém, por que ela vai procurar tratamento psicológico sabendo que será denunciada? Ou seja: serão tratados nos consultórios apenas os casos de  quem tem problemas com o seu lulu, e os portadores de psicopatologias graves ficarão sem tratamento. “A proposta é constrangedora para os psicólogos e afeta sobretudo quem trabalha no serviço público e lida diariamente com casos de violênica”, disse a ISTOÉ a psicóloga Camila Munhoz. “Essa normatização anula o próprio profissional e o desqualifica, leva a crer que o psicólogo não tem condições de cuidar do paciente e precisa obrigatoriamente da polícia”, disse a ISTOÉ Sidney Corocine, professor e psicólogo da Casa de Custódia e Tratamento André Teixeira Lima. “O bom psicólogo tem condições de avaliar o paciente e até de interná-lo, se for o caso, para protegê-lo de si próprio e proteger a sociedade. Isso é muito diferente de chamar a polícia.” Outro ponto: como ficam os dependentes químicos? “Tudo o que é o ilícito deve ser denunciado”, disse à imprensa Marcelo Del Chiaro, advogado do Conselho Federal. Como o consumo de drogas é um ato ilícito, mesmo porque envolve o tráfico, os dependentes não mais irão se tratar porque poderão acabar na cadeia. “O novo código faz uma confusão entre a realidade psíquica e a realidade social”, diz Camila Munhoz.


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