O prefeito de São Paulo ataca a política de aviação do País e cobra segurança ou o fechamento do Aeroporto de Congonhas

Quando era aluno da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, o prefeito Gilberto Kassab (DEM) fez do projeto de construção do aeroporto de Guarulhos seu tema de estudo para conclusão de curso. Reputado como um articulador de bastidores, Kassab cresceu na vida pública como uma espécie de comissário político, servindo de ponte entre os comandantes partidários e os militantes. Na semana em que o Airbus da TAM se chocou contra o prédio da companhia, em São Paulo, ele foi a primeira autoridade a chegar ao local do desastre – e, desde então, despontou nacionalmente discutindo o tema de seu trabalho de conclusão de curso: engenharia e segurança de aeroportos. Solteiro aos 46 anos, o prefeito de São Paulo chegou à cabine de comando da maior cidade do País por força da desincompatibilização de José Serra, que deixou a vaga para se tornar governador. A primeira pesquisa de opinião divulgada depois do acidente da TAM registrou um aumento de 100% no número de pessoas que avaliam sua administração como boa ou ótima. Na terça-feira 24, ele recebeu ISTOÉ para esta entrevista:

ISTOÉ – O sr. tem medo de voar? Gilberto
Gilberto Kassab

Não, não tenho.

ISTOÉ – O sr. pousaria em Congonhas?
Gilberto Kassab

Sim.
 

ISTOÉ – Com a pista molhada?
Gilberto Kassab

 Pousaria.
 

ISTOÉ – O problema do Aeroporto de Congonhas é municipal, estadual ou federal?
Gilberto Kassab

Congonhas é um problema do Brasil. Há vários anos que se apontam as soluções, mas as ações não se concretizam. Quando o presidente da República apresentou um conjunto de propostas na semana passada, minha manifestação foi para traduzir a ele a expectativa dos brasileiros de que não fosse feito mais um plano de intenções. Todos conhecem as responsabilidades.
 

ISTOÉ – Congonhas tem solução?
Gilberto Kassab

Devemos ter uma diminuição drástica do número de vôos. Nos últimos três anos, Congonhas teve um aumento assustador do número de passageiros/ ano, passando de 12 milhões para 18 milhões. Desde então, ocorreram várias manifestações consistentes, tecnicamente embasadas, que mostravam a preocupação com o número de vôos, sua saturação. Em Congonhas, deve haver a redução drástica do número de viagens, a limitação do uso de aeronaves em função do seu peso e a criação de uma área de escape nas duas extremidades da pista. Para tanto, você precisa encontrar solução de engenharia. É inadmissível um aeroporto com essa quantidade de vôos não ter uma área de escape.
 

ISTOÉ – O espaço aéreo é federal, o controle do aeroporto é federal, o controle das companhias aéreas é federal. Qual é a parte da prefeitura?
Gilberto Kassab

A prefeitura deve levar a voz da cidade. São 11 milhões de brasileiros que vivem em São Paulo e que exigem segurança, conforto e melhoria nas condições operacionais de nossa aviação.
 

ISTOÉ – Em 1963 houve um acidente em Congonhas e já na época foram discutidas mudanças e até o fechamento do aeroporto.
Gilberto Kassab

E o problema vem se agravando. Eu acredito que chegamos no limite. Com a dimensão que o acidente teve, nós podemos afirmar que o sentimento dos brasileiros é o de não tolerar mais a ausência de soluções concretas. O acidente não teria acontecido se o Airbus da TAM tivesse pousado no aeroporto de Guarulhos, mesmo com problemas. Isso em função do tamanho da pista de lá, quase o dobro da de Congonhas. Os técnicos dizem que a área de escape em Congonhas precisaria ter entre 200 e 250 metros de cada lado.
 

ISTOÉ – A prefeitura vai fazer a desapropriação dessa área?
Gilberto Kassab

A responsabilidade é do governo federal. Caberia a ele arcar com os custos. Isso não quer dizer que a prefeitura não irá, dentro de suas possibilidades, cooperar com uma solução.
 

ISTOÉ – Mas a prefeitura pode fazer coisas como anular o alvará que autorizou a construção do Oscar?s Hotel, nas proximidades da cabeceira da pista principal do aeroporto.
Gilberto Kassab

Minha vontade era fechar essa obra amanhã, mas preciso de embasamento técnico para tomar essa decisão. A Secretaria de Habitação e a Secretaria de Coordenação das Subprefeituras já identificaram graves irregularidades no prédio. Projetos diferentes foram apresentados na Aeronáutica e na prefeitura. Com base nessas informações, eu determinei a anulação do alvará de aprovação e execução da edificação e pedi à Secretaria de Negócios Jurídicos que entre com ação demolitória do prédio.
 

ISTOÉ – Desde o acidente com o Boeing da Gol houve muita discussão mas nenhuma ação concreta. O sr. acredita que algo vai mudar?
Gilberto Kassab

O que estamos debatendo é a questão da segurança dos aeroportos, as medidas a serem adotadas. Eu quero que reduza o número de operações no Aeroporto de Congonhas. A cidade, o País, o Estado exigem. Isso não é uma decisão para dois, três meses. É uma decisão para agora.
 

ISTOÉ – Todo mundo da aviação fala que a solução mais imediata é a construção do terceiro terminal de Guarulhos.
Gilberto Kassab

Eu, como engenheiro, tenho certeza, e há muito tempo. Eu não sei por que não ampliar Guarulhos. Eu não sou contra um novo aeroporto. Mas a ampliação de Guarulhos é urgente. Devemos trazer para essa discussão o Ministério Público, o Tribunal de Contas.
 

ISTOÉ – Os paulistanos sempre se dividiram entre o temor de ter um aeroporto plantado no meio da cidade e o conforto de poder se deslocar mais facilmente.
Gilberto Kassab

O paulistano quer o Aeroporto de Congonhas. Mas com segurança.
 

ISTOÉ – Caso essas medidas para garantir a segurança sejam inviáveis, o sr. é favorável a que se feche o aeroporto?
Gilberto Kassab

Se não tivermos a transformação de Congonhas, para compatibilizá- lo com normas de segurança rigorosas, eu sou o primeiro a defender o seu fechamento. Congonhas é um aeroporto operacional, ajuda a cidade, ajuda o País, é bem localizado, mas tem que operar com 100% de segurança.
 

ISTOÉ – O sr. acredita que o acidente foi provocado por uma falha de segurança do aeroporto?
Gilberto Kassab

Não quero me ater ao acidente em si. Seria uma leviandade eu dizer, antes de as investigações serem concluídas, que a culpa foi da pista, do piloto ou do avião.
 

ISTOÉ – O que o sr. sentiu ao chegar ao local da tragédia?
Gilberto Kassab

Impotência diante de um acidente tão grave. Eu cheguei no momento em que o choque tinha acabado de acontecer. Senti o choque com a dimensão do acidente, misturada com a vontade de participar do processo para ajudar a salvar as vidas de quem tivesse sobrevivido. Isso vai ficar marcado como a maior tragédia que eu já vi.
 

ISTOÉ – Se o Airbus tivesse atingido o posto de gasolina ao lado do prédio da TAM vários quarteirões seriam destruídos. Como a prefeitura permite postos de gasolina tão perto de Congonhas?
Gilberto Kassab

Veja os absurdos que as administrações passadas cometeram. De qualquer modo, não podemos desviar o foco da atenção e o foco é o aeroporto, a aviação civil. Seria um grande erro, uma leviandade, uma irresponsabilidade dos brasileiros, desviar o foco para um prédio, para um posto de gasolina ou para uma asa de avião. O problema é da política de aviação civil do País. Estamos falando da morte de 200 pessoas, de algo muito grave que aconteceu, do desgoverno da nossa aviação civil. Mas é claro que ações pontuais devem ser feitas.
 

ISTOÉ – Mas existe um número de postos de gasolina nas cercanias da pista que representa um perigo para as operações em Congonhas.
Gilberto Kassab

Ações que tenham sido equivocadamente cometidas no passado devem ser revistas, mas o mais importante é o presente. Existe hoje uma má condução da nossa política de aviação, as diretrizes estão equivocadas, não estão sendo focados os pontos de segurança, não está sendo avaliada a capacidade dos aeroportos. Tivemos investimentos e reformas, mas nós privilegiamos o cosmético em vez da segurança e da operação.
 

ISTOÉ – Quem foi o responsável por essa má condução?
Gilberto Kassab

Nossas autoridades da aviação.
 

ISTOÉ – Quem?
Gilberto Kassab

Eu não vou “fulanizar” porque senão ficaremos relatando os responsáveis nos últimos 40 anos.
 

ISTOÉ – Nos dias subseqüentes à tragédia, as autoridades federais optaram por sair de cena. De outro lado, vimos o prefeito de São Paulo e o governador tomando a dianteira, se deslocando até o aeroporto. Como analisa essa saída de cena das autoridades federais?
Gilberto Kassab

Foi uma opção do governo ou das autoridades. O governo federal se manifestou. O comandante da Aeronáutica esteve presente. Não quero criticar nem defender a posição do governo federal. Mas eu, como prefeito de São Paulo, tinha que estar lá presente, atuando junto da defesa civil, apoiando as ações do governo do Estado e de todos aqueles voluntários envolvidos na ação de resgate.
 

ISTOÉ – Como o sr. avalia atitudes de desdém como o gesto obsceno do assessor Marco Aurélio Garcia?
Gilberto Kassab

Eu considero que foram manifestações infelizes, muito infelizes. Desrespeitosas para com a Nação brasileira. Mas também não quero ir por esse caminho porque é desviar o foco. O foco é: o que fazer para recuperar a qualidade da nossa aviação civil, em termos de conforto e segurança? O que precisamos é definitivamente ter coragem de afirmar: ou dotamos Congonhas de condições de segurança ou é melhor fechar.
 

ISTOÉ – De um a dez, que nota o sr. daria ao presidente Lula neste episódio?
Gilberto Kassab

Eu prefiro avaliar a nossa aviação e a política de aviação do governo federal, que é o seu governo…
 

ISTOÉ – E que nota daria a eles?
Gilberto Kassab

Prefiro não dar nota. Avalio muito mal.
 

ISTOÉ – O prédio da TAM vai virar uma praça mesmo?
Gilberto Kassab

Vai. A prefeitura decidiu desapropriar o local. É uma homenagem às vítimas, aos seus familiares, e também uma maneira de lembramos ao Brasil a importância de repensarmos a política da aviação brasileira. Mas a hora continua sendo a de dar apoio às famílias das vítimas, em especial àquelas que não tiveram ainda o corpo de seus parentes ou amigos identificado.
 

ISTOÉ – O DataFolha diz que o número de pessoas que acha seu governo bom ou ótimo pulou de 15% para 30%. A que o sr. atribui esse aumento?
Gilberto Kassab

Todas as nossas ações estão voltadas para fazer o melhor possível pela cidade. Nenhuma delas está atrelada a um objetivo de pesquisas, de serem bem avaliadas. Por outro lado, é muito gratificante, seja para o prefeito, seja para a equipe, saber que institutos com credibilidade avaliam positivamente o nosso trabalho. O importante é estarmos colhendo bons resultados. Esse é o nosso único objetivo. É muito gratificante que a população reconheça isso; traz entusiasmo para continuar o trabalho.

ISTOÉ – O sr. vai disputar a reeleição?
Gilberto Kassab

Isso não está na pauta; posso ser, posso não ser. Não trabalho por um reconhecimento para a reeleição. Na hora certa vamos discutir os dirigentes que compõem os partidos da aliança (PSDB-DEM). Eu mesmo sou dirigente de um dos partidos, me sinto credenciado para uma posição partidária. No ano que vem, a aliança encontrará um candidato e eu o apoiarei.
 

ISTOÉ – Como está a relação entre a Prefeitura de São Paulo e o governo federal?
Gilberto Kassab

A relação é boa, é correta e em todo momento eu tenho deixado isso público, porque é importante para mostrar maturidade dos nossos governantes e é muito positivo para a democracia brasileira. É importante que isso seja dito e repetido e essa correção nas relações tem feito com que vários avanços aconteçam na cidade em diversas áreas – além da excelente relação que existe com o governo do Estado.
 

ISTOÉ – O sr. nem parece oposição…
Gilberto Kassab

Acho que a relação administrativa não pode ser partidária. Eu defendo essa posição em qualquer ambiente, até dentro de instâncias partidárias.