No céu ou no inferno, o fato é que ninguém quer morrer pagão. Assim, nada como um bom padrinho. Os dois principais adversários na guerra em que se transformou a eleição para a Prefeitura de São Paulo – o tucano José Serra e a petista Marta Suplicy – já garantiram os seus. São eles o governador Geraldo Alckmin (PSDB) e o ministro da Fazenda, Antônio Palocci (PT). A entrada de Palocci na campanha de Marta, na última semana, marcou o início da federalização da eleição na capital paulistana. Alckmin e Palocci têm muito em comum, além de serem médicos: são donos de um temperamento dócil, tranquilos, de fala mansa e sorrisos simpáticos. São tidos como boas-praças até pelos adversários. Palocci é o petista mais elogiado no ninho tucano, e Alckmin mantém boas relações pessoais com Marta, apesar das alfinetadas no campo político. No palanque da solenidade do Dia da Independência, na terça-feira 7, Marta e Alckmin trocavam dicas de filmes. Um deles é a comédia romântica protagonizada por Diane Keaton e Jack Nicholson, cujo título é bem apropriado para o momento eleitoral: “Alguém tem que ceder.” Com alto índice de aprovação (67% segundo pesquisa Ibope feita no fim do ano passado), o governador entrou em campo desde o início na campanha de Serra. Os padrinhos Alckmin e Palocci são perfeitos para os afilhados bicudos: Serra e Marta são conhecidos pelo pavio curto, e construíram a fama de autoritários e arrogantes.

A reeleição da prefeita Marta Suplicy é tida como crucial pelo Planalto. Daí porque na segunda-feira 6, véspera do feriado, o assunto ter sido o tema de uma reunião em Brasília entre o presidente Lula e cinco ministros, entre eles o próprio Palloci e José Dirceu (Casa Civil). A constatação foi de que o PT terá que fazer das tripas coração para Marta ir para o segundo turno à frente do tucano: o ideal seria chegar com cerca de 40% das intenções de voto. A avaliação é de que, se Marta começar a cair nas pesquisas, os jogadores petistas vão entrar em campo no segundo tempo do jogo com o moral lá embaixo, e o risco de perder o jogo para os tucanos será muito maior. Dois dias depois da reunião em Brasília, Palocci estreou como garoto-propaganda, em comerciais e no programa eleitoral gratuito de tevê, defendendo a candidata que se proclama “uma mulher de coragem”.

A única campanha em que o ministro da Fazenda havia dado o ar de sua graça até agora era na sua terra natal, Ribeirão Preto (SP), para tentar ajudar o atual prefeito Gilberto Maggione (PT), que está atrás do peemedebista Baleia Rossi e do tucano Welson Gasperini. Palocci era o único dos 19 ministros do PT que não tenha entrado na lista dos convocados para arregaçar as mangas na campanha nos fins de semana. Assim como aconteceu com seu antecessor Pedro Malan, Palocci deveria ficar blindado, como guardião da economia, para evitar que o mais popular e poderoso ministro se envolvesse nos acalorados debates eleitorais e evitasse ser atingido pelo tiroteio. Era uma forma também de evitar qualquer turbulência na política econômica.

Bola fora – A prefeita começou a campanha fazendo gols, mas nas últimas duas semanas andou pisando na bola em vários lances e viu sua equipe se desentender sobre a tática do jogo, o que fez acender o sinal de alerta no PT. Marta iniciou a corrida em terceiro lugar, mas com o início da propaganda eletrônica ela pôde expor suas principais realizações – como as superescolas batizadas de CEUs e o bilhete único de transporte que permite ao usuário dos ônibus municipais andar por duas horas ao preço de uma passagem, R$ 1,70. Sua candidatura emparelhou com Serra, que estava na dianteira.

Atacada pelos adversários que a acusam de ter tido uma atuação pífia na saúde, Marta mordeu a isca e aumentou o tiroteio na sua direção ao aparecer na tevê, vestida de branco, com uma maquete de sua mais nova promessa: a construção de 40 CEUs-Saúde, sofisticadas policlínicas. A promessa foi alvejada pelos adversários, que a qualificaram como eleitoreira e faraônica, e foi recebida com muita ceticismo pelos eleitores, como revelaram pesquisas qualitativas. Nos programas de rádio, os tucanos colocaram um jingle que ironizava: “Pra chegar no CEU-Saúde só se for de aerotrem (proposta folclórica do candidato a vereador pelo PRTB Levy Fidélix).” Marta se viu obrigada a ficar na defensiva. Foi aí que Palocci entrou em ação. Do alto de sua condição de dono do cofre, o ministro apareceu no programa de Marta para garantir que a promessa será cumprida: “Um dos compromissos de Lula com o povo é melhorar o atendimento à saúde, dando mais rapidez e apoiando projetos inovadores. É isso que o CEU-Saúde de Marta vai fazer. É um projeto excelente, moderno, de baixo custo. Tenha certeza: a Marta fez o CEU-Educação, o bilhete único e vai fazer o CEU-Saúde.” Se o presidente Lula já apareceu várias vezes ao lado de Marta em eventos públicos, a pergunta do lado dos tucanos é se o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso fará o mesmo por Serra. No comando da campanha tucana não há previsões ainda, mas o próprio FHC já deu o sinal verde. No sábado 4, FHC anunciou que está pronto para fazer algumas atividades de campanha ao lado de seu ex-ministro da Saúde: “Mas não pode ser uma participação no dia-a-dia da campanha política.”

Disputa interna – Não bastasse isso, Marta fez outro gol contra ao seguir uma nova orientação dos coordenadores políticos de sua campanha – entre eles o marido, Luís Favre, que faz a ponte entre o partido e a equipe de produção dos programas de rádio e tevê, capitaneada por Duda Mendonça. A ordem era deixar de lado a fantasia de boa moça, para partir mais para o ataque na direção de Serra, contrariando totalmente as idéias de Duda, que prega a campanha propositiva, sem ataques. Marta utilizou a tática do medo – usada pela campanha presidencial de Serra em 2002 contra o petista Lula. “As forças organizadas da sociedade paulista deverão escolher com muita clareza o caminho que o País percorrerá nos próximos dois anos: a união e o aprofundamento da atual política econômica de crescimento ou o estado de crise política se alastrando durante dois anos”, sentenciou a prefeita na quarta-feira 8. O Planalto reprovou a tática do terrorismo eleitoral, inclusive o próprio presidente Lula em conversa com seus auxiliares. No ninho tucano, a reação foi imediata. “Essa é a prova de que o PT está desesperado por causa do crescimento da campanha de Serra. O PT não está acostumado à alternância do poder porque defende a política do partido único”, atacou o deputado Edson Aparecido, um dos coordenadores da campanha de Serra. Vice-presidente nacional do PT, Mônica Valente rebateu: “Não tem o menor sentido dizer que estamos no desespero porque estamos disputando o primeiro lugar com o Serra. Foi o governador Alckmin que surgiu na tevê dizendo que o candidato dele era o Serra e isso sim é desespero.”

Nos bastidores comenta-se que Duda não gostou nem um pouco das intromissões excessivas de Favre, o que gerou boatos de que o marqueteiro teria ameaçado se afastar temporariamente da campanha de Marta. No QG nacional do PT há uma forte preocupação com as projeções para o segundo turno, que são sombrias para a prefeita. Segundo a última pesquisa Ibope, Serra ganharia de Marta por 56% das intenções de voto contra 35%. Mas o mapa nacional das eleições tem deixado os petistas animados.

Hora da virada – Em várias das principais cidades, o PT tem conseguido se manter na liderança ou virar o jogo. Em Porto Alegre, o ex-prefeito Raul Pont, em primeiro lugar, caminha para conquistar o quinto mandato petista da cidade. Em Belo Horizonte, o terceiro maior colégio eleitoral do País, o prefeito Fernando Pimentel (PT) começou a partida atrás do rival João Leite (PSB). Mas com o início do horário eleitoral gratuito de rádio e tevê, Pimentel disparou e há até projeções de que ele poderá ganhar no primeiro turno. Mas no segundo maior colégio eleitoral, o Rio de Janeiro, os petistas estão naufragando, com a candidatura do deputado federal Jorge Bittar amargando o quinto lugar, apesar de todo o peso do apoio federal à sua candidatura. O prefeito Cesar Maia (PFL) pode ganhar no primeiro turno. Em seguida vem o senador Marcelo Crivella (PL), líder da Igreja Universal do Reino de Deus, com poucos pontos acima do vice-governador, Luiz Paulo Conde (PMDB) – apoiado pela governadora Rosinha Matheus e seu marido, o secretário de Segurança Pública, Anthony Garotinho. Numa das maiores cidades do Nordeste, Fortaleza, a esquerda também passa por ataques de pânico e até de esquizofrenia. Lá, os líderes da disputa são o tucano Antônio Cambraia, o pefelista Moroni Torgan e Inácio Arruda, do PCdoB, cuja candidatura é apoiada pela direção nacional do PT. A cúpula do partido não aceitou a decisão dos petistas de Fortaleza, que lançaram a deputada estadual Luizianne Lins. A esquerda dividida poderá nem ir para o segundo turno. E o racha atingiu até o Planalto. No sábado 4, o ministro José Dirceu esteve na capital cearense para apoiar Arruda, que também é, obviamente, candidato do ministro da Articulação Política, Aldo Rebelo (PCdoB). Mas o ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rosseto, já esteve em Fortaleza em agosto para prestigiar justamente a candidatura de Luizianne. Não há Freud que explique isso à cabeça do eleitor.