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BRASIL
“Tive uma longa conversa com o rei do Qatar,
que disse amar Lula”, diz Starck

 

Philippe Starck chegou à suíte do hotel Royal Monceau, em Paris, apontando para o pingo de chocolate quente que deixou cair na camiseta no café da manhã. Irreverente, não aparenta ter 61 anos e parece adorar surpreender. “Sou comunista. O comunismo é uma ideia respeitável, mas o protótipo era ruim”, diz. Acompanhado da mulher, Jasmine, também assessora gentil e implacável para determinar o tempo de entrevista, o mago do design estava ali para dissertar sobre a recriação de um dos sete hotéis-palácios da capital francesa. O Royal Monceau, que no passado hospedou gente como Ernest Hemingway, figura na mesma categoria do Ritz, do Le Bristol, do Plaza Athénée, do George V, do Crillon e do Le Meurice. Starck modernizou o histórico hotel dos anos 20, vendido pelo francês Alexandre Allard para o Qatari Diar, fundo de investimentos do Qatar que também comprou a inglesa Harrod’s. Primeiro hotel na Europa com a bandeira Raffles, da Ásia, o Royal Monceau reabre dia 18.

O designer francês mais badalado do mundo, que já assinou projetos de hotéis como o Maurice, o Faena, em Buenos Aires, e o Fasano Rio, diz que ali criou o conceito de “espaço mental”. Defensor da autorreinvenção, ele afirma que não tem estilo nem nunca terá. “Você tem que esquecer totalmente a ideia de estilo e trabalhar para ser profissional, personalizado, criativo, sem ser datado”, diz. “O senhor é lacaniano?”, pergunta Istoé. “Sim, absolutamente.” O apreço por Jacques Lacan, o teórico do vazio, se estende a pensadores franceses como Jean Paul Sartre e Michel Foucault. “Você não pode viver sem memórias. Lacan dizia: ‘Quando você diz algo, você mata o que diz.’” Talvez por isso Starck não tenha revelado totalmente o projeto arquitetônico e cultural que começa em dezembro no Brasil, junto com Alexandre Allard.
“É algo maravilhoso, nunca visto. Não posso falar mais. É em São Paulo e vai interessar muito, especialmente às mulheres.” Starck
e Allard desembarcam em São Paulo em dezembro para dar forma a essa surpresa.
 

Filho de Lacan, Foucault e Sartre
“Sou definitivamente filho dessas pessoas. Você não pode viver sem memórias. Lacan tem frases fantásticas. Uma delas uso muito: ‘Quando você diz algo, você mata o que diz.’ Essa é minha regra principal. Tento falar o menos possível. Para mim, uma entrevista como esta tem um custo alto. Porque, quando falo, mato meu sonho. Tento nunca falar sobre o que faço e o que penso. Na vida cotidiana, sou completamente autista. Foucault fez um grande trabalho sobre a fronteira entre a sanidade e a insanidade e Sartre fala definitivamente de humanidade, humanidade de esquerda, humanidade de posicionamento comunista, que é definitivamente o meu.”

Um comunista no mundo do luxo
“Sou comunista. Estou trabalhando para reinventar o comunismo. É uma ideia respeitável, mas o protótipo foi ruim. Produzo muitas coisas. Para fazer uma cadeira, produzo seis protótipos. O primeiro quase sempre não fica bom. Se desisto no primeiro protótipo, não teria feito a cadeira. O comunismo, no primeiro protótipo, disseram: “Não está bom.” É ridículo. Não foi bom porque era soviético e foi feito com pessoas ruins. No primeiro erro matamos o comunismo, mas no capitalismo somos vítimas e não fazemos nada. Hoje as pessoas morrem por causa do capitalismo e continuamos com ele.”

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PALÁCIO MODERNO
O designer no hotel Royal Monceau, recriado por ele

 

O segredo é não ter estilo
“Não tenho nenhum estilo nem quero ter. Quando você tem um estilo, você está morto. Estilo tem relação com tendência. Hoje você gosta de um estilo, amanhã pode odiá-lo e depois pode amá-lo. Isso não é bom no mundo de hoje, você não pode bancar tanta mudança. O que há de mais moderno é longevidade. Teremos que voltar a falar em herança. Trabalhamos com a ideia de que hoje você compra um saia para três meses e depois joga no lixo. Para mim, quando você compra uma saia, é para você, para sua vida, para sua filha e para a sua neta. É este o posicionamento moderno.”

França, a mais crítica
“Moro no ar. Pegamos avião todos os dias. Tento ficar em Paris três dias por mês. Quanto mais viajo, mais me dou conta de que sou francês. Para entender o espírito francês é preciso escutar os estrangeiros, que são unânimes: os franceses são desagradáveis, muito críticos e pretensiosos. Aí está uma vantagem. Não há país com o espírito crítico mais desenvolvido do que a França. Somos os matadores de talento. Por isso, temos menos criação em comparação a outros tempos, mas quando ela existe é de melhor qualidade.”

 "O comunismo, no primeiro protótipo, não foi bom porque era soviético"

Novo conceito de hotel
“Na area pública, temos o dever de apresentar uma máquina de experiências. Trabalhei como um urbanista, um diretor de cinema. Mas, quando você chega num quarto depois de 12 mil quilômetros de viagem, você está só. Mesmo que os quartos sejam bem decorados, estão vazios. A partir daí, criei uma nova ideia: o espaço mental. Criei ambientes como se já tivessem sido habitados. É o contrário do estilo, é simplesmente a vida de alguém, um sonho.”

Lula
“Não o conheço muito. Mas o amo porque é de esquerda. Dizem que ele foi bem-sucedido e bom para o País. Tive uma longa conversa com o rei do Qatar, que disse amar Lula.”