As tropas brasileiras e argentinas chegaram ao Haiti com uma missão militar típica das Forças de Paz da ONU: restabelecer a ordem pública, desarmar grupos de insurgentes e garantir um mínimo de estabilidade para o governo local. Mas, depois que o furacão Jeanne passou pelo país nos dias 18 e 19, trazendo chuvas torrenciais e inundações diluvianas que praticamente destruíram a cidade de Gonaïves, no Norte do país, os soldados da paz foram forçados a se converter em integrantes de uma gigantesca operação de salvamento. Nesta missão, não menos honrosa e difícil do que a original, uma das tarefas mais urgentes é simplesmente ajudar a enterrar – até em covas coletivas – mais de mil mortos afogados pelas enchentes. Mas o número de vítimas não vai ficar por aí. Extra-oficialmente, o governo do Haiti e o comando da Minustah (Missão das Nações Unidas para estabilização do Haiti) já falam em 1.700 pessoas mortas– a maior parte bebês, crianças e pessoas idosas. A explicação está nas centenas de desaparecidos (cerca de 700), aos quais não resta nenhuma esperança de terem escapado com vida das torrentes de água que desabaram dos morros, rumo ao mar, levando de roldão a cidade de 250 mil habitantes que estava no caminho.

“Nunca vi uma catástrofe como essa. A cidade de Gonaïves fica em uma enseada com uma saída estreita para o mar, cercada por montanhas sem nenhuma cobertura vegetal. A água cobriu tudo. Bairros mais pobres, como Rabotou, uma espécie de favela onde a maior parte das casas era de papelão, simplesmente sumiram. Quem morava lá não teve chance de escapar das águas”, afirmou na terça-feira 21 a ISTOÉ o general-de-divisão brasileiro Augusto Heleno Pereira, comandante da Minustah. Heleno foi uma testemunha privilegiada da tragédia, pois se deslocou de helicóptero na manhã do domingo 19, quando o dilúvio ainda acontecia, da capital Port-au-Prince para o local da enchente, pouco mais de 100 quilômetros a Noroeste. “Vimos centenas de pessoas nas lajes das casas. Mas nos bairros situados abaixo do nível do mar, nem essa chance de sobrevivência foi oferecida. Só se salvou quem pôde nadar, no escuro”, recorda.

O general Heleno confirmou que, por pouco, a tragédia não causou mortes entre as tropas argentinas (cerca de 500 homens), que estavam em Gonaïves. “O acampamento deles foi arrasado pelas águas e a tropa perdeu tudo. Dois caminhões que, no começo da tempestade, levavam soldados para tentar ajudar a população, foram arrastados pela enxurrada. Os soldados só escaparam porque conseguiram nadar até o teto de algumas casas”, afirmou. Desde o domingo, um pelotão com 50 soldados brasileiros está em Gonaïves ajudando os argentinos na dura tarefa de reconstruir o acampamento militar, enterrar centenas de mortos e ajudar os sobreviventes, distribuindo água, comida e remédios.

E a ajuda ao Haiti vai custar muito caro. A Cruz Vermelha Internacional já pediu três milhões de euros (cerca de R$ 10 milhões) para poder atender as vítimas. Será necessário dar comida e teto provisório a 40 mil pessoas que perderam suas casas. O Brasil enviou dois aviões Hércules C-130 com equipamentos, comida e remédios. Cuba, que já mantém no Haiti há muitos anos mais de 500 médicos e enfermeiros, determinou que seu pessoal seja transferido para Gonaïves. O presidente George W. Bush, dos EUA, por sua vez, liberou US$ 50 mil para distribuição de kits sanitários, equipamento de cozinha e galões de água. Seu adversário Hugo Chávez, da Venezuela, foi um pouco mais generoso.
Anunciou a doação ao Haiti de US$ 1 milhão.