Qual líder político poderia ser pior que Adolf Hitler? George W. Bush é a resposta do escritor mexicano Carlos Fuentes. Em sua cruzada intelectual para tentar impedir a reeleição do presidente americano, Fuentes afirma que, se Bush continuar na Casa Branca, ele é capaz de provocar um ?holocausto?. ?Se, em quatro anos de governo, sem a legitimidade política (refere-se à suposta fraude nos votos da Flórida, em 2000), ele fez o que fez, imagine nos próximos quatro anos?, diz ele. A polêmica que o cineasta americano Michael Moore causou com seu filme Fahrenheit 9/11 é a mesma de Fuentes em seu livro bombástico Contra Bush (editora Rocco). O escritor retrata, com precisão, a inépcia da administração Bush, esmiúça os interesses da dupla Cheney-Bush nos petrodólares do Iraque e ainda critica o fundamentalismo cristão na Casa Branca, além de acusar o presidente de explorar o medo dos americanos do terrorismo para manter-se no poder. Fuentes, autor de Os anos de Laura Díaz, A morte de Artemio Cruz e O espelho enterrado, também vocifera contra o sociólogo Samuel Huntington, autor de Choque de civilizações, a quem atribui concepções ?fascistas?, ao criar inimigos para os EUA, como o Islã e os mexicanos. Depois de um bate-papo pelo telefone, de Londres, Fuentes, filho de diplomata e ex-embaixador do México na França, arrematou dizendo que já era hora de tomar seu chá. ISTOÉ ? Por que a polêmica com o sociólogo Samuel Huntington? Carlos Fuentes ? Samuel Huntington representa uma tendência americana de encontrar o inimigo no Exterior, aquele que coloca em perigo os Estados Unidos e, consequentemente, faz com que a opinião pública do país se mobilize contra ele. É a luta do bem contra o mal, a adoção do manequísmo. E, para o manequeísta, é importante identificar o mal o quanto antes. Durante mais de 50 anos, o comunismo foi tido como o mal, uma posição muito cômoda para os EUA. Com a queda da URSS, tornou-se necessário ter um novo inimigo. E Huntington surgiu para apontá-lo. ISTOÉ ? Quem é esse inimigo? Fuentes ? Primeiro, foi o Islã; agora é o México. Huntington passa por cima de todos os dados sociais, culturais e econômicos para retratar a população mexicana como desempregada, ignorante, que tira mais dos EUA do que oferece ao país. Mas, ao contrário do que ele diz, os mexicanos são ativos e trabalhadores. Vou lhe dar um exemplo: o Estado da Califórnia responde pela terça parte da produção agrícola americana, sendo que 90% dos trabalhadores rurais de lá são mexicanos. Se os mexicanos fossem vagabundos, como diz Huntington, os americanos iriam ficar sem frutas e verduras. ISTOÉ ? Como o sr. explica o favoritismo de Bush nas pesquisas, apesar da avalanche de denúncias contra ele? Fuentes ? Os Estados Unidos não são um país monolítico. São um país dividido. Há um grupo de belicosos, de extrema direita e chauvinista; há um setor ignorante da população. E ainda existe um grupo extremamente intelectualizado na Costa Oeste, na Califórnia, em Chicago, no Centro-Oeste e na Costa Leste, em cidades como Boston e Nova York. É mais do que um país diversificado, é um universo. Faltam seis semanas para as eleições e acredito que o democrata John Kerry irá vencer. Vamos ver. Cerca de 45% estão com Bush e os outros 45% com Kerry e 10% são indecisos. São justamente esses indecisos que irão decidir as eleições. Os americanos foram atacados, sentem medo, insegurança e Bush utiliza-se da mais perigosa união ? medo e patriotismo ? para amedrontar a população. É por isso que parte da população vota nele. ISTOÉ ? O sr. disse que o programa de imigração de Bush não passa de uma tática eleitoreira. Como assim? Fuentes ? Porque Bush fez um projeto de lei em que estão previstos constar apenas os novos trabalhadores imigrantes. Mas hoje já existem seis milhões de trabalhadores mexicanos nos EUA que estão fora dessa futura proteção trabalhista. Eu comparo a lei de Bush à do senador democrata Tom Daschle, que inclui a possibilidade de anistia para regularizar a situação de trabalhadores ilegais nos EUA. A idéia do senador é humana. Já o projeto de Bush é discriminatório contra as pessoas que já moram nos EUA. ISTOÉ ? O sr. chega a comparar Bush a Hitler. Por quê? Fuentes ? Eu digo que Bush pode ir além de Hitler, porque Hitler tinha opositores no plano inetrnacional e Bush, não. Hitler foi condenado ao fracasso, porque tinha a União Soviética, a Leste, e os Estados Unidos, do outro lado do Atlântico. Estrategicamente, a guerra estava perdida para ele. Todos os grandes impérios foram contrabalançados por forças opositoras: Luís XIV, por uma coalizão européia; Napoleão Bonaparte, pela Inglaterra; Hitler pela Rússia e pelos EUA e, finalmente, Stálin pelos EUA. Pela primeira vez na história temos uma força imperial, os Estados Unidos, que não enfrenta oposição no mundo. O poder de Bush é superior ao poder de Hitler. É neste sentido que ele é mais perigoso, porque é onipotente; ninguém o pode deter. E o orgulho desmedido, assim como já vimos com o que aconteceu com os gregos, conduz à cegueira e ao fracasso. Hitler foi um governante eleito, assim como Bush. E Bush utiliza o Patrioct Act para aniquilar com os direitos civis dos americanos. Se ele for reeleito, será acelerada a agressão do império americano. Se em apenas quatro anos, sem legitimidade eleitoral, Bush fez o que fez, imagine então se ele for reeleito com legitimidade. Cerca de 75% da população mundial se opõe à política de Bush. Os opositores são encabeçados pela Alemanha, França e México. Ele pode nos levar a um holocausto. Sua vitória será um desastre para todos.